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Opinião

Sally Rooney presa? A literatura diante do genocídio contra palestinos

Autora de livros como "Pessoas Normais", hoje escritora das mais celebradas da língua inglesa, a irlandesa Sally Rooney ganhou o Sky Arts Awards com "Intermezzo", seu romance mais recente (a obra sai por aqui pela Companhia das Letras). Venceu, mas achou melhor não buscar o prêmio para não correr o risco de ser presa.

Isso porque Sally se posicionou em defesa da Palestina. Em agosto, disse apoiar e pensar em dar parte da grana que ganha com seus livros para o Palestine Action, grupo tido como terrorista pelo Reino Unido. Se pisasse em Londres, poderia ser presa por incentivar um grupo que, na visão dos britânicos, pratica o terror.

O Palestine Action age contra quem fabrica e fornece armas para o estado de Israel, que há dois anos comete um genocídio em Gaza. Apontar terrorismo em uns e não em outros, sabemos, é uma decisão sobretudo política - vide Trump perseguindo antifascistas. Sally manteve sua posição e pediu para seu editor buscar o prêmio.

O que aconteceu com Sally de alguma forma de conecta com a vexaminosa atitude da Feira de Frankfurt em 2023. Ainda no início dessa nova fase do massacre contra palestinos, acharam por bem cancelar o prêmio que dariam a Adania Shibli e desconvidar a autora de "Detalhe Menor" (Todavia).

Adania é palestina. O momento era de privilegiar vozes israelenses, pensaram. Depois de perseguir judeus ao longo de séculos e mais séculos, agora muitos países, instituições e cidadãos europeus se acovardam. Atemorizados pelo seu passado vergonhoso, se recusam a fazer qualquer movimento que possa desagradar Israel.

Desde então, o tema tem provocado rebuliços e desconfortos em muitos encontros literários. No meio do ano, pressões tentaram impedir ou modificar a forma como o historiador israelense Ilan Pappe se apresentaria na Flip e a Flipei. Não conseguiram muita coisa, apesar de a festa pirata ter tido que mudar de lugar de última hora após uma ação lamentável da prefeitura de São Paulo.

Outro dia, ouvi num podcast a dolorosa história da escritora palestina Hend Salama Abo Helow. Durante boa parte do programa, parecia que os ataques, bombardeios e fuzilamentos em Gaza eram cometidos por um agente oculto. É preciso sempre reiterar o nome de quem comete o horror.

O que Israel faz em Gaza com o apoio de seus cúmplices, Estados Unidos em primeiro lugar, tem sido assunto frequente no meio literário. Autores chilenos e espanhóis me parecem ser os mais vocais em denunciar os incessantes crimes de Israel, mas ações pipocam por diferentes cantos do mundo. Hoje, a maior incredulidade é com quem se nega a tomar uma posição sobre o assunto, finge que nada está acontecendo.

No Brasil mesmo, escritores como Milton Hatoum há muito tempo se revoltam contra o que ocorre tanto em Gaza quanto na Cisjordânia. Meses atrás, judeus fizeram o movimento "Não em Nosso Nome" para repudiar a carnificina. É só um exemplo das iniciativas que têm pipocado de solidariedade aos palestinos.

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Olhando para os livros, obras de autores palestinos ou que dialogam com a questão palestina passaram a estar no centro de debates. São títulos como "Diário da Tristeza Comum", de Mahmud Darwich (Tabla), "Quero estar acordado quando morrer", de Atef Abu Saif (Elefante), "Você Deu em Pagamento o Meu País", de Ghayath Almadhoun (Ars et Vita), "Retorno a Haifa", de Ghassan Kanafani (Tabla) e o fundamental "Tornar-se Palestina", de Lina Meruane (Relicário).

São leituras que recomendo fortemente para quem quer se aprofundar um pouco mais numa história cheia de violências, sacanagens e arbitrariedades contra os palestinos. Uma história que culmina no maior terror dos nossos tempos.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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