Por que fingir que a leitura não é uma atividade intelectual?

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Fiquei encucado com a ideia que Pedro Pacífico, o Bookster, leitor e influenciador com quase 800 mil seguidores no Instagram, trouxe numa entrevista aqui para o UOL. Defendeu:
"Não estou dizendo para não ler os 'mais vendidos', mas para estimular a diversificar as leituras e desmistificar um pouco algumas ideias que você tem sobre literatura - que é perda de tempo, que é difícil, que é para quem é intelectual".
Ler bons livros não é perda de tempo? Concordo, claro. Ler não é difícil? Depende, mas nem toda dificuldade deve ser vista como problema. Não foi aí que encanei, no entanto. Estranhei mesmo a proposta de desmistificar a leitura como algo para quem é intelectual.
Ora, afastar a leitura do intelecto me parece fazer tanto sentido quanto tentar dissociar o futebol do esporte. A leitura é uma atividade essencialmente intelectual. Vamos ao livro, lemos o texto, mas é na nossa cabeça que tudo acontece. Cabe aos leitores, com seu cérebro, dar forma e sentido àquilo que encontra nas páginas. Não há, ou não deveria existir, motivo para esconder ou tentar disfarçar isso.
O problema me parece outro: o ranço que muitos têm de qualquer atividade intelectualizada. Intelectual seria aquele tipo chato que vive enfurnado em seu canto rosnando para os outros, que não consegue falar do 6 a 0 do Vasco sobre o Santos e do choro do Neymar sem citar Bourdieu, isso quando acompanha o Brasileirão. Bobagem se apegar a essa caricatura.
Não é de hoje que o anti-intelectualismo nos ronda. Virou comum ser tachado de chato, até motivo de chacota, tudo relacionado aos estudos, à introspecção, ao aprimoramento na forma de enxergar o mundo. Sempre tem um estúpido para tirar sarro de quem curte ler. Não por acaso, brucutus passaram a fazer cada vez mais sucesso.
Algumas semanas atrás, Ted Chiang, um dos grandes nomes da ficção científica, esteve no Brasil para uma série de encontros. Em entrevista a Thiago Ney, o escritor afirmou que não via sentido em usar a inteligência artificial porque o ato de escrever lhe ajuda a entender seus pensamentos, a descobrir o que está em sua mente.
Em sua newsletter, a jornalista Taize Odelli escreveu sobre essa postura de Chiang e levantou um questionamento importante: será que as pessoas querem pensar? É uma pergunta crucial num tempo em que há desprezo pela intelectualidade.
"Pensar é um ato perigoso, é desgastante, e tem gente que faz de tudo para não exercer essa atividade nas coisas mais básicas da vida. Lembro de ouvir, quando criança, que é melhor não ficar pensando para não ficar louco — pois é, pensar demais leva a conclusões que fazem a gente questionar nossa sanidade e existência? Tem gente que se orgulha de não pensar e de ser incapaz de fazer isso", escreve Taize.
A leitura é uma atividade essencialmente intelectual, assumamos o óbvio. E lembremos: todos que carregam um cérebro dentro da caixa craniana são, de um jeito ou de outro, capazes de exercer algum grau de atividade intelectual.
A briga, então, é outra: mostrar que é bom ser intelectual ou ter momentos dedicados ao intelecto. É uma coisa boa ser capaz de formular e lidar com seus próprios pensamentos, algo que expande e dá sentido à vida. E que fazer isso não significa se transformar em qualquer estereótipo enfadonho que propaguem por aí.
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