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Opinião

Bobbie Goods e outros livros para colorir: um lado bom e outro perigoso

Escrevi sobre a nova onda de livros para colorir no começo do ano. A coisa começava a crescer e alguns leitores ponderam: melhor essas páginas cheias de ursinhos em branco do que forradas com picaretagens de coaches. Eles têm razão. Melhor a amortecida e serena do que repleta de bobagens e certezas furadas.

A moda cresceu ainda mais. Enquanto escrevo, na manhã do dia 30, pelo menos 7 títulos para pintar ocupam os 20 primeiros lugares da lista de mais vendidos do Publishnews.

Reflexo das vendas na Bienal do Rio, as quatro primeiras posições estão tomadas por Bobbie Goods (HarperCollins). Juntos, "Do Dia Para Noite", "Dias Frios", "Dias Quentes" e "Isso e Aquilo" venderam quase 55 mil exemplares entre os dias 16 e 22 de junho.

Também estão na relação "CapyVibes", de Gabriel Dearo e Manu Digilio (Tatu-bola), "Criaturas Fofinhas", de Coco Wyo (Pitaya), e "Livro de Colorir Oficial Funko Pop! Dos Filmes Harry Potter", de J. K. Rowling (Rocco).

Não há surpresa em constatar que muita, mas muita gente mesmo anda buscando formas de acalmar ou desligar o cérebro inclusive quando recorre aos livros. Tendências editoriais como a dos livros "cozy", "comfy" e "healing" já indicavam essa busca pelo acolhimento, pela calmaria, pela sensação de conforto diante de um livro.

Ali a coisa ainda se dava com palavras, muitas vezes com uma autoajuda encapsulada como literatura. Agora, o que temos são ilustrações em branco para serem pintadas da maneira como o dono do livro quiser, tal qual uma criança com sua revistinha de atividades lúdicas.

São anos bicudos. Há cada vez mais trabalho e menos dinheiro. Tudo está caro. Tempo para lazer virou artigo de luxo. A cada semana pinta uma guerra diferente e a cada dia temos um novo massacre para nos chocar (normalmente de israelenses sobre palestinos). O celular sempre à mão mina a atenção e dilacera a capacidade cognitiva.

Não me parece por acaso que livros para colorir ganhem novo fôlego ao mesmo tempo em que falamos sobre conceitos como brain rot. Foi a palavra do ano do dicionário Oxford em 2024. É uma referência ao cérebro que vira paçoca graças ao volume de lixo bem mastigado e fragmentado consumido na internet, especialmente redes sociais.

Algo a se comemorar com esses livros?

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Há, sim, pelo menos um aspecto importante. Vendas trazem grana e editoras precisam de dinheiro para seguir em frente, simples assim. Casas editoriais minimamente comprometidas com algo além da planilha podem aproveitar a grana que entra com essas modas para apostar em autores e literaturas que vão demorar bem mais tempo para dar algum retorno.

Pego um exemplo da vez. É de se supor que as cifras de um sucesso como Bobbie Goods deem fôlego para a HarperCollins trabalhar com autores fundamentais, mas bem menos comerciais, como Joyce Carol Oates e Colson Whitehead.

Um porém fundamental.

Seguimos falando de livros no atacado, ótimo caminho para nos enganarmos. Fenômenos trazem bons números, ainda que momentâneos, para o mercado (já estão trazendo, na verdade, segundo apurou o 5º Painel de Varejo de Livros no Brasil de 2025). Como apontei num dos meus textos sobre a Bienal, corremos o risco de festejar ursinhos para colorir pensando que se celebra o interesse por qualquer literatura que pelo menos pare de pé.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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