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Opinião

Chute bisonho, passe pra gol e recordações: o dia em que joguei no Pacaembu

Lembranças tomaram conta da cabeça assim que pisei no gramado.

O finado tobogã, de onde vi o São Paulo fazer 5 enquanto corintianos choravam e chilicavam. Também onde acompanhei a torcida trocar o vermelho, branco e preto pelo amarelo para protestar em 2004.

A ponta de onde a hinchada do Olímpia virou o jogo na final da Libertadores contra o São Caetano (atestado de burrice esportiva: dizer que torcida não faz diferença). O mesmo curral em que estive tantas outras vezes como torcedor visitante.

As cadeiras da derrota de estreia no estádio, uma final de Copinha em que Pitarelli brilhou nos pênaltis.

A parte da curva à direita da entrada principal, onde ajudei a pendurar faixas e levantar bandeirões. Por lá, tive o desprazer de cheirar gás lacrimogêneo pela primeira vez e de ver a polícia sentando a borracha nos outros a troco de nada.

Só fui acreditar que jogaria mesmo no Pacaembu (Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, Mercado Livre Arena, pode escolher) quando já estava trocado, com a ferradura nos pés e tocando bola na lateral do campo enquanto a partida feminina escrevia o seu 2X2. Este provavelmente foi o grande jogo da rodada, inclusive.

A partida entre marmanjos promovida pel'A Feira do Livro, que acabou no último domingo e levou mais de 80 mil pessoas à praça Charles Miller ao longo de nove dias, teve o nível daquelas literaturas cheias de construções truncadas e tramas que não levam a lugar algum. Mas foi divertido, isso foi. Divertido demais.

Ainda preciso me vingar de Tiago Ferro. Violentíssimo logo no primeiro minuto, não foi expulso por razões inexplicáveis nem detido puramente pela falta de autoridades nas redondezas. (É isso mesmo, zagueiro não gosta de sofrer falta, mesmo quando joga de volante).

Por outro lado, talvez eu vire alvo de alguma coluna de Antonio Prata. Ele teve a péssima ideia de parar na minha frente enquanto eu corria. Acabou atropelado, coitado.

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A atuação individual foi razoável. Um carrinho, algumas trombadas. Muitos piques em vão. Um chute levemente bisonho numa tentativa de encher o pé de primeira, da intermediária. Uma virada em que a bola não chegou nem perto de onde eu desejava.

Um duelo digno de nota com Felipe Poroger ao longo de todo o primeiro tempo. Um punhado de passes certos, alguns bons —estivesse Lázaro Ramos numa manhã menos belicosa com a bola, sairia como garçom da partida.

Por mais que tenhamos ido para o intervalo vencendo por 1 x 0 (gol de Vitor Pamplona), o primeiro tempo foi bem ruim. O campo (grande demais, bem cuidado demais) e os 20 minutos (duração excessiva para o nível da coisa) claramente não ajudaram. Havia uma certeza, no entanto: a etapa complementar seria pior.

E foi.

Se na parte inicial o jogo foi disputado com uns 13 jogadores de cada lado, na segunda houve momentos em que o time adversário tinha pelo menos 16 caras em campo, mais do que um time de rugby. Confiantes com sua superioridade numérica e precisando buscar o resultado, vieram para cima. Virariam o jogo com gols de Poroger, de falta, e Plácido Berci, numa boa finalização da entrada da área.

Plácido, diga-se, foi muito bem. Sim, o jogo teve momentos que não envergonharam tanto assim o futebol. Teve gente mostrando alguma intimidade com a bola. Bruno Paes Manso se apresentou como um clássico enganche. André Whoong atazanou no ataque. Victor Feffer e Poroger caíram bem pelas pontas. E, se não brilharam, pelo menos Marvio dos Anjos e o sírio-palestino Ghayath Almadhoun se mostraram goleiros seguros.

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Marcelo da Silva Antunes, meia brigador, saiu do banco para a eternidade. Depois de um chuveirinho na área seguido de bate-rebate, foi para ele que ajeitei a bola. O chute foi ótimo, no ângulo, indefensável. Um gol made in zona norte, como bem definiu o artilheiro.

Outro 2 x 2, no final das contas. E mais duas histórias para o acervo de jogos entre essa gente que escreve, lê e vive a literatura.

É um acervo que conta com partidas como a disputada no Estádio Municipal de Paraty durante a Flip de 2014 e os míticos duelos entre escritores do Brasil e da Alemanha. Um vexatório 9 x 1 para eles lá (durante a Feira de Frankfurt de 2013, precedendo o 7 x 1 da Copa) e um brioso 0 x 0 em São Paulo, na revanche.

Eduardo Galeano, uruguaio que soube tratar magistralmente o esporte em seus escritos, dizia-se um mendigo do bom futebol. Era alguém que andava pelos estádios implorando por uma jogada bonita, pelo amor de Deus.

Fosse vivo e pintasse no Pacaembu no último domingo, Galeano sairia de mãos abanando, vazias de grandes lances. Mas não ficaria frustrado, longe disso, ainda mais se tivesse a oportunidade de jogar.

O futebol vai muito além de tabelas, dribles e belos gols. A alma do jogo está em outro lugar, num espaço entre e o campo e a arquibancada, a paixão e a insensatez, o sonho e a glória. Nem que seja a glória de fantasiar ser jogador num dos estádios mais icônicos da história.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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