Asterix e Obelix: saudades do que não vivemos

Carrego vazios.
Já escrevi em diversas oportunidades sobre a impossibilidade de ler tudo o que gostaríamos. Um livro leva a tantos outros, um autor nos apresenta novos mundos. A pilha de livro para ler aumenta exponencialmente a cada leitura feita. Carregaremos grandes ausências até o fim da vida, não tem jeito. Lidemos com isso.
Hoje penso num outro tipo de vazio. Um vazio correlato, mas com nuances próprias. Falo daquelas leituras não feitas que se arrastam por anos, décadas, por quase toda a vida. Por vontades que vêm desde a infância e jamais foram satisfeitas, ainda que haja tempo. Não conseguimos fazer tudo, mas sempre podemos fazer algo, daí a sabedoria de sabermos escolher bem como preencher o nosso tempo e rechear nosso cérebro.
A lembrança de leitor se mistura com as minhas primeiras memórias. Sempre toquei a vida tendo livros como bons amigos. Não só livros. Seu irmão mais humilde, normalmente esquálido, também foi um bom parceiro quando eu era moleque.
Lia e relia os gibis da Turma da Mônica - enquanto escrevo, sei lá por quê, lampeja a nostalgia de um almanaque do Franjinha cheio de brincadeiras científicas. Um pouco mais velho, passei a cavalgar pelo oeste na companhia de Tex. É do personagem que recordo ao me deparar com um bom filé acompanhado de batatas fritas.
Os gibis da Disney nunca fizeram minha cabeça. Uma revistinha do Tio Patinhas às vezes aparecia surrada no fundo de uma gaveta ou enroscada no trilho da porta do armário. De super-heróis eu até tentei gostar, mas o interesse não passou da terceira edição de alguma série do Homem-Aranha. Não me atraem, nunca me atraíram.
Mas falava de vazios, não de gostos ou desgostos.
É curioso, pois me sinto íntimo de alguns personagens que receberam bem menos atenção do que deveriam - e do que eu gostaria. Esse entrosamento com o repórter aventureiro Tintim é compreensível. A leitura de seus gibis segue como grave lacuna no currículo. Contudo, passeei pelo mundo junto ao cara graças aos desenhos animados que passavam na televisão.
A intimidade nada íntima com Asterix é mais misteriosa.
Pouco li os quadrinhos de René Goscinny e Albertz Uderzo, pouco vi as muitas adaptações baseadas no trabalho da dupla, talvez tenha jogado o game para master system. Ainda assim, o pequeno gaulês e seu grande parceiro, Obelix, ocupam espaço admirável na coleção de personagens pelos quais tenho algum afeto. Até mais Obelix, creio. Tenho uma queda pelos grandões desengonçados, questão de identificação.
Agora me animei para preencher esse vazio. Isso porque a Gália foi ocupada pelos romanos. Toda? Não! "Uma aldeia povoada por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor. E a vida não é nada fácil para as guarnições de legionários romanos nos campos fortificados de Babaorum, Aquarium, Laudanum e Petibonum".
Melhor dizendo. Não voltamos para 50 antes de Cristo, mas a Record começou a reeditar a famosa série em um formato portentoso que reúne alguns volumes de histórias num exemplar. "Asterix Omnibus", que chegou às livrarias há pouco mais de meio ano, traz em um só livro os três primeiros quiproquós criados por Goscinny e Uderzo.
Estão ali "Asterix, O Gaulês", "A Foice de Ouro" e "Asterix e os Godos", publicados originalmente entre 1961 e 1963. A tradução é de Tânia Calmon e Eli Gomes. A promessa é que, com o tempo, a editora lance as demais histórias dos gauleses reunidas em trios.
Será a chance de matar as saudades de tudo o que ainda não vivi com Asterix, Obelix, Ideiafix, Panoramix e companhia.
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