65% da população não consegue ler direito: como fica a literatura?

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Na semana passada, a divulgação da Pesquisa Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional) fez muita gente se preocupar com um número. 29% da população brasileira entre 15 e 64 anos é analfabeta funcional. Ou seja, são pessoas que não conseguem compreender minimamente as palavras ou números que enxergam.
Os dados são ainda mais desesperadores para quem pensa na circulação e no futuro da literatura no país. Além desses 29% de brasileiros que mal conseguem juntar algumas palavras, outros 36% estão no nível elementar de alfabetização. Estes até se viram diante de frases um pouco maiores, mas não sabem o que fazer se encontram textos mais complexos, que exigem interpretação ou alguma habilidade para sacar o que não está escancarado na superfície.
Ajuda a explicar por que tanta gente não sente atração alguma diante de grandiosidades. Como uma pessoa poderia curtir de verdade a introspecção de "A Paixão Segundo G. H.", de Clarice Lispector, ou se impactar diante dos mistérios de Jon Fosse sem ter as habilidades mínimas necessárias para que a leitura de literatura seja uma atividade prazerosa e se revele em toda sua grandeza?
Se somente 35% da população está minimamente preparada para se entender com os bons livros, não surpreende que o número de leitores no Brasil patine e despenque. Isso enquanto listas de mais vendidos são dominadas por obras que entregam bichinhos pálidos para colorir ou prometem café com o além e soluções mágicas para mudar de vida.
Também na semana passada, um grupo de editores divulgou uma carta aberta questionando diversos atrasos nas compras de programas do governo. Desde 2022 que escolas públicas estão sem receber títulos literários e só agora que os órgãos começaram a se mexer para cumprir o que foi fechado há três anos, alegam.
Num mercado em que muitas editoras dependem imensamente das compras feitas por administrações públicas de diferentes níveis, um hiato desses causa um rombo gigantesco nas contas, quando não a falência. Escrevem na carta:
"As vendas privadas —no varejo ou diretamente ao público, por exemplo, em livrarias físicas— há muito deixaram de ser um canal promissor e significativo para a maioria dos segmentos editoriais, sendo praticamente inexistentes para a ampla produção de livros infantis e juvenis".
Chamo a atenção para um outro momento do texto assinado por uma longa lista de editores. "Hoje em dia, não basta afirmar a importância de ler. É preciso refletir sobre o que se lê, para que se lê e como se lê. Daí a necessidade imperiosa de formar mediadores e de refletir sobre que leitores se deseja formar", escrevem.
Perfeito. Mais do que falar em consumidores de livros, precisamos refletir também sobre como formar grandes leitores.
Ações imediatas, como as compras governamentais, são cruciais para o hoje. O cenário como um todo, no entanto, só terá alguma chance de mudar se problemas maiores também forem encarados com seriedade. Exemplos: melhora da renda e aumento do tempo livre. Outro óbvio: superarmos números vergonhosos como esses 65% de analfabetos funcionais ou de alfabetizados tronchos.
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