Mario Vargas Llosa: literatura para confrontar a medíocre realidade

Ler resumo da notícia
A carreira de ficcionista de Mario Vargas Llosa chegou ao fim, escrevi na resenha que publiquei no mês passado de "Dedico a Você Meu Silêncio", a despedida do peruano da ficção. Agora, a vida de Llosa também chegou ao fim. O escritor morreu neste domingo (13), aos 89 anos, em seu país natal.
Llosa foi um dos maiores autores não só da América Latina, mas da história recente da literatura. Também foi uma figura pública de opiniões e posições políticas que muitas vezes oscilavam entre o estranho e o lamentável. O razoável ceticismo com a esquerda revolucionária aos poucos se transformou em alinhamento a uma direita cada vez mais tresloucada.
Não é por acaso que muita gente torce o nariz ao ouvir o nome de Llosa. Cada um deve saber o que faz da vida. Quer ler o peruano? Leia. Não quer ler? Não leia. Mas ser alfabetizado e passar pelo mundo sem mergulhar nas páginas de "A Festa do Bode" é um desperdício enorme.
Postei isso nas redes e as respostas mostram como Llosa conquistou a admiração dos leitores com romances diferentes, escritos em diversos momentos da trajetória de mais de seis décadas.
"A Festa do Bode", o meu grande Llosa, é de 2000. "As Travessuras da Menina Má" é de 2006. "A Cidade e os Cachorros", de 1963. "A Guerra do Fim do Mundo", de 1981. "Tia Júlia e o Escrevinhador", de 1977. "Pantaleão e as Visitadoras", de 1973. "Conversas no Catedral", de 1969. Isso para ficar em alguns dos títulos mais citados como fundamentais por colegas.
Em fevereiro de 1964, após ler "A Cidade e os Cachorros", o mexicano Carlos Fuentes, outro gigante da literatura latino-americana, compartilhou sua empolgação com Llosa. Elogiou o livro por fugir de sermões e moralismos. Também afirmou que o futuro do romance vivia na América Latina, lugar onde tudo estava para se dizer. A mensagem faz parte de "Las Cartas del Boom", livraço ainda inédito no Brasil.
Fuentes foi além. Falou do fracasso das ideologias, de suas contradições, do paradoxo de quem "nega a tragédia e sai a combater a injustiça e a implantar a razão". Pessoas que, depois, amanhecem "com as mãos cheias de injustiça em nome da justiça e os olhos cegados, outra vez, pela loucura invocada em nome da razão". Completou: "não é essa visão trágica a única capaz de abraçar a realidade?"
Muitas vezes, cheios de certezas, atropelamos os demais para tentar impor nossas convicções inabaláveis. Fica fácil enxergar as mazelas, contradições e podridões alheias enquanto nos envaidecemos com nossa autoproclamada superioridade moral. Serve para gente de todo espectro ideológico, cegada pela loucura de sua própria razão.
Llosa, pessoa física, não escapou desse tormento mundano. Mas, fundamental para um escritor, nos momentos mais brilhantes da carreira entregou aos leitores uma literatura que apresenta olhares multifacetados para abarcar toda essas contradições, fugindo de discursos fáceis e manipulações canhestras.
Os grandes romances do peruano honram o discurso feito pelo autor ao receber o Prêmio Nobel de Literatura em 2010. Ao exaltar a força, a magia e a importância das "mentiras" da literatura, que se tornam verdades por meio dos leitores e confrontam a "medíocre realidade", Llosa finalizou:
"A nossa sempre será, felizmente, uma histórica inconclusa. Por isso, temos que seguir sonhando, lendo e escrevendo. É a maneira mais eficaz que encontramos de aliviar nossa condição perecível, de derrotar a corrosão do tempo e de fazer possível o impossível".
Assine a Newsletter da Página Cinco no Substack.
Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Bluesky, Instagram, YouTube e Spotify.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.