A volta à corrida e a volta aos bons livros sobre corrida (que são raros)

Ler resumo da notícia
Não tem jeito, são os livros que me acompanham em todas as facetas da vida. Quem olha para a minha biblioteca com atenção pode sacar o quanto gosto de literatura, óbvio, mas também de viajar e de comer e beber bem, só para pegar exemplos mais nítidos. Esmiuçando os cantos, talvez essa pessoa note minha preferência pelo rock e a paixão pelo São Paulo.
Vivo de histórias que encontro nos livros.
A coisa não é diferente na trôpega relação com a corrida. Outro dia estava brigando para fazer meia-maratona abaixo de duas horas. O joelho arrebentou e passei quase dois anos entre a recuperação e o relaxo. Pensava em voltar, mas penava para fazer 5 quilômetros.
Em janeiro, resolvi voltar a levar a coisa mais a sério. O peso baixou um pouco e já rolou uma prova de 15 quilômetros —com um sofrimento desnecessário, consequência de uma largada com ritmo mais forte do que o razoável. Nessa nova escalada rumo aos 21K, voltei a me cercar de corrida: ver vídeos, ouvir podcasts, pensar em treinos diferentes, sonhar com provas como a Meia das Cataratas. Embalado, garanti a inscrição para a SP City e a Volta da Pampulha.
É evidente: os livros entram nesse processo. No entanto, não é tarefa das mais fáceis achar bons livros de corrida. O que predomina é uma mistura de tecnicismo com autoajuda, papagaiadas motivacionais sobre performance, rendimento e outras chatices. Evolução na corrida, maratona perfeita, corrida ideal...
Muita história de superação e pouca coisa de fato bem escrita. Muita gente com algo a ensinar sem se preocupar com o acabamento estético do texto. Meras dicas e informações eu encontro por aí, quero algo prazeroso de se ler.
Há, porém, aqueles que merecem um lugar na minha biblioteca.
"Divórcio", de Ricardo Lísias (Alfaguara), não é um romance sobre corrida, longe disso, mas lembro bem de como o esporte ocupa um espaço importante na trama. Dois tão óbvios quanto valiosos são "Correr", de Drauzio Varella (Companhia das Letras), e "Do que Eu Falo Quando Falo de Corrida", do japonês Haruki Murakami, escritores de respeito que também são corredores. Nessa linha, preciso ir atrás do que Joyce Carol Oates escreveu sobre o assunto.
Nosso autor mais prolífico na área, acho, é o colega jornalista Sérgio Xavier Filho, maratonista de longa data. Do que li dele, gosto bastante de "Boston - A Mais Longa das Maratonas" (Arquipélago), sobre todo o empenho até alcançar o índice para correr a prova mais badalada do mundo. Foi ao Sérgio que recorri nessa minha retomada.
Gostei menos de "Operação Portuga 2.0" (também Arquipélago), edição ampliada da história de corredores de primeira linha que buscavam superar marcas impressionantes para amadores como eles. É um livro sobre rivalidades entre amizades, dedicação, um tanto de obstinação. A recuperação quase inacreditável de um dos personagens e a entrega de outro a um objetivo maior do que o próprio relógio são os destaques.
Escrito com excesso de reverência, é também um livro sobre homens cheios da grana que resolvem ir até Berlim, Boston ou Amsterdã da mesma forma como eu decido que é hora de passear com o cachorro. Somos corredores de universos completamente diferentes.
Ainda assim, temos nossos pontos de contato. Para quem já precisou parar algumas vezes ali pelo quilômetro 18 para abençoar banheiros químicos, a identificação foi imensa com o drama asqueroso vivido por um dos sujeitos.
É treinar também para não precisar mais passar por nada parecido com isso.
Assine a Newsletter da Página Cinco no Substack.
Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Bluesky, Instagram, YouTube e Spotify.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.