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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Os livros de Jô: entre O Xangô de Baker Street e as memórias do artista

Jô Soares, autor de O Xangô de Baker Street e de O Livro de Jô - Divulação/ Ramon Vasconcelos/ TV Globo
Jô Soares, autor de O Xangô de Baker Street e de O Livro de Jô Imagem: Divulação/ Ramon Vasconcelos/ TV Globo

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

10/08/2022 04h00

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Dentre minhas leituras, "O Xangô de Baker Street" é uma das primeiras lembranças de livros pensados para adultos. Devia ter uns 11, 12 anos quando peguei para ler o romance de Jô Soares lançado em 1995. Recordo do quanto me impressionava aquela capa de um azul bem escuro, com a silhueta de um Sherlock Holmes caricatural. O barulho feito pelo livro, pequena febre editorial em sua época, também chamou a atenção.

Do romance em si não resta quase nada em minha cabeça. Num tempo em que lia "Harry Potter", talvez tivesse pescado "O Xangô" dos livros dos meus pais para impressionar na escola. Uma imagem, em todo caso, permanece viva: as cordas de violino emaranhadas nos pelos pubianos do corpo de uma moça morta, assassinada. Mas a memória é traiçoeira. Como não revisito nada do livro para escrever esta coluna, talvez caia em uma armadilha criada pelo meu cérebro.

Fato é: depois me afastei dos livros de Jô. Não li os anteriores a "Xangô", ainda que tenha alguma curiosidade por "A Copa que Ninguém Viu e que Não Queremos Lembrar", com relatos sobre os mundiais de 1950 e 1954, feito em coautoria com Armando Nogueira e Roberto Muylaert. Dos posteriores, passei batido por "O Homem que Matou Getúlio Vargas", "Assassinatos na Academia Brasileira de Letras" e "As Esganadas", todos muito comentados quando lançados.

Reencontrei a faceta literária de Jô por razões profissionais. Como alguém que escreve sobre livros, mergulhei nos registros autobiográficos do jornalista, ator e escritor. Os dois volumes de "O Livro de Jô", coleção de memórias do artista feita em parceria com Matinas Suzuki, reavivaram-se em minha cabeça tão logo acordei na sexta-feira passada, dia 5, e soube da morte de Jô.

Publicados pela Companhia das Letras, como os outros aqui mencionados, se os dois volumes de memórias não chegam a brilhar, pelo menos entregam um compêndio de boas e bem contadas histórias que formam uma biografia possível de Jô. São causos e passagens mais sérias também habitadas por gente como Nelson Rodrigues, Cacilda Becker e Adoniran Barbosa. Reunidos, são momentos que oferecem ao leitor um panorama da cultura brasileira ao longo do século 20 e início do 21, com destaque para o teatro e para a televisão.

Pelo carinho como todos se referem a ela, certa vez escrevi que a Coleção Vaga-lume parecia ser um raro elo capaz de unir os brasileiros. Acompanhando as manifestações após a morte de Jô, fiquei com a sensação de que ele também tinha esse poder. Para quem já sente ou sentirá saudades, os livros estão aí para reavivar as lembranças e nos reaproximarmos do homem.

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