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A Filha Perdida: filme capta traço fundamental da literatura de Ferrante

Leda, personagem interpretada por Olivia Colman em A Filha Perdida, adaptação do livro de Elena Ferrante - Divulgação
Leda, personagem interpretada por Olivia Colman em A Filha Perdida, adaptação do livro de Elena Ferrante Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

10/01/2022 04h00

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Os homens conseguem entender todas as sutilezas desse filme? Não foram exatamente essas as palavras, mas foi mais ou menos isso o que minha esposa perguntou enquanto assistíamos à adaptação que a diretora Maggie Gyllenhaal fez de "A Filha Perdida", romance de Elena Ferrante.

Tenho uma relação peculiar com Ferrante. Até onde sei, fui o primeiro a escrever sobre ela por aqui. Em 2014, quando o nome da italiana misteriosa começava a fazer um barulho enorme pelo mundo, recolhi impressões de alguns leitores estrangeiros a respeito da obra e antecipei a publicação da autora no Brasil.

Acompanhei de perto a chegada de seus livros e a rápida explosão na quantidade de fãs de Elena por estas bandas. Não me tornei um desses leitores fervorosos, mas reconheço os méritos do trabalho. Autora com uma história que ajuda a chamar a atenção para a própria obra, uma dúvida sempre acompanhou os frequentes elogios aos romances de Ferrante: quem seria a pessoa de carne e osso por trás do nome que assina os livros? Um aspecto é defendido com ênfase por boa parte dos fãs e especialistas: só podem ser de uma mulher as mãos ocultas de Elena.

Naquela reportagem de 2014, Francisco Vale, editor que publicou a italiana em Portugal pela Relógio d'Água, tocou nesse ponto. "Penso ser mais provável que se trate de uma escritora. No caso de se tratar de um escritor, haveria um pequeno mérito adicional por mergulhar com tanta verossimilhança numa sensibilidade tão visceralmente feminina, designadamente em relação ao amor, à maternidade e aos filhos", disse. Na ocasião, a crítica literária e jornalista portuguesa Isabel Lucas seguiu caminho semelhante: "Não acredito que seja um homem, pelo modo como conhece o feminino".

Vinda de alguém que começava a conhecer ali algo do universo de Ferrante, a pergunta sobre a capacidade dos homens entenderem as sutilezas do que se passava na trama soa como um grande elogio ao filme que está na Netflix. Sinal de que Maggie Gyllenhaal conseguiu levar para as telas algo primordial, indissociável, da literatura de Ferrante.

Respondi que sim; eu, pelo menos conseguia, entender todas as sutilezas do longa sobre, numa condensação bem pobre, a relação com diferentes níveis de conflitos entre mulheres e as suas filhas. Pensando com mais calma, provavelmente não foi a resposta mais honesta. É sim possível entender muito dos meandros, mas tenho dúvidas se dá para captar "todas" as sutilezas. Sempre há o que nos escape.

É perda de tempo querer avaliar uma adaptação comparando filigranas do que há em livros com o que vemos nas telas. Quando levado para o cinema, um romance não deve ser encarado como um roteiro fechado, intocável, sagrado. Ainda assim, senti falta do sul da Itália e de ver os personagens falando em italiano numa adaptação da obra de Ferrante.

Poréns dentro de um filme realmente bom, que tem pelo menos uma cena com potencial para se tornar inesquecível: quando Leda (interpretada por Olivia Colman) conta para Nina (Dakota Johnson) como foi ficar uma temporada bem longa longe de suas crianças. Os fãs já devem ter assistido, mas mesmo quem não está muito familiarizado com a literatura de Ferrante também deveria ver "A Filha Perdida" - e depois, quem sabe, dar uma chance para os livros da italiana.

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