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REPORTAGEM

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Maria Bethânia: 'Não se pode esquecer da doçura e da suavidade'

Maria Bethânia - Jorge Bispo
Maria Bethânia Imagem: Jorge Bispo

Colunista do UOL

28/10/2021 13h14

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"Não se pode esquecer da doçura e da suavidade, não. Tudo hoje é muito bruto". É o que diz Maria Bethânia sobre a importância da música, da literatura e de outras formas de arte nesse momento difícil que o Brasil tem vivido. "Acho que o disco mais recente de Caetano [Veloso] tem todas as respostas, ideias, orientações. O que tem que falar, o Caetano falou. Acho uma obra-prima o disco dele", complementa no papo que batemos há pouco, indicando "Meu Coco", álbum recém-lançado do irmão, como um farol para o nosso tempo.

Cantora que em diversos momentos da carreira aliou literatura e música, levando para apresentações poemas de autores como Fernando Pessoa e Waly Salomão, é Bethânia quem estará à frente do Tabuleiro, podcast que estreia em 4 de novembro na Batuta, web rádio do Instituto Moreira Sales. Numa série de seis episódios temáticos que irão ao ar semanalmente, sempre às quintas, a artista unirá seleção de músicas à leitura de textos escolhidos por ela com auxílio do poeta Eucanaã Ferraz.

Quem está no centro do episódio de estreia é Clarice Lispector, referência literária e fonte de inspiração para Bethânia. Ela dedica a edição inaugural justamente a Caetano, responsável por lhe apresentar o blues e a autora de "A Paixão Segundo G. H.". Trechos de crônicas e romances de Clarice serão acompanhados por estrelas da música negra dos Estados Unidos, como Billie Holiday e Mahalia Jackson.

"Escolhi textos diferentes do que é comum nos meus espetáculos. Aqui é mais a Clarice em momentos de romances", conta. O processo de escolha e releitura dos trechos fez com que a artista reavivasse a memória e redescobrisse grandes passagens da escritora. "Eu já li tudo de Clarice. Mas foi delicioso mexer com coisas que eu nem lembrava. Como se fosse uma coisa nova para mim, adorável".

Num Brasil em que a fome atinge milhões de pessoas, ossos de animais são vendidos a preços inflacionados nos mercados e gente tem sido presa por dar um jeito de colocar comida na boca, um trecho de uma das leituras de Bethânia no episódio inicial chama a atenção. "A ira é o que me toma. E acho certo roubar para comer", ouvimos no resgate de "Dies Irae", crônica de Clarice publicada em 1967. "Essa frase eu falei com o coração na mão. É oportuno e de uma força... com a singularidade dela".

A julgar pela estreia, que pude ouvir antes do papo com Bethânia, Tabuleiro oferecerá aos ouvintes episódios sensíveis, com algo de dramaturgia, sem estridências ou atropelos, sem conversas, explicações, contextualizações. Música e literatura, versos e canções, prosa e melodia que se complementam ou provocam rupturas, é tudo. "[Quando me convidaram,] foi a primeira coisa que falei: sem entrevistas. Sem contar o presente, passado, futuro. Nada de explicação, nem motivo, nem porquê".

Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Davi Kopenawa, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Rimbaud e Lord Byron serão alguns dos grandes nomes da literatura que aparecerão nos demais episódios de Tabuleiro. Eles estarão ao lado de músicos nacionais e estrangeiros, como Cazuza, Milton Nascimento, Luiz Gonzaga, Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Callas e Anitta.

"No episódio de poesia portuguesa eu fiquei feliz porque pude trabalhar um pouco com ópera, que eu gosto", conta Bethânia, que também comentou a escolha de Anitta para uma das playlists. "Falar em Vinicius e não botar Garota de Ipanema é quase uma enganação. Não pode. É a música que o mundo canta e conhece do Vinicius. E acho a versão da Anitta interessante". No programa, a música virá após uma interpretação de Tom Jobim. Perguntada sobre o que pensa da artista pop carioca, Bethânia diz não desgostar. "Acho que ela tem muita personalidade, rigor, é estudiosa".

Na conversa, Bethânia ainda falou sobre a leitura de autores contemporâneos. Procura conhecer o que tem sido produzido em nossa literatura, diz, mas reconhece não ser leitora voraz das novidades. "Tendo a querer ficar com meus clássicos. Já sei que vão me confortar, atender os desejos do momento. Sou meio preguiçosa, confesso. Não li o livro mais novo de Chico ainda, por exemplo".

Eis o calendário de Tabueiro:

4/11 - "Clarice Lispector e a Música Negra Norte-Americana"

11/11 - "Brasil, Sons, Sensações, Palavras"

18/11- "Vinicius de Moraes por Vinicius de Moraes"

25/11 - "Chico Buarque e Carlos Drummond de Andrade"

2/12 - "A Música de Caetano Veloso e Traduções de Augusto de Campos"

9/12 - "Poesia Portuguesa"

Tabuleiro ficará disponível aos ouvintes gratuitamente no site da Rádio Batuta.

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