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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A raiva mata, o ódio ressuscita e o machão vira comida de urubu

Shiko - Reprodução
Shiko Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

21/07/2021 11h13

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A regra é clara: quando algum novo trabalho de Shiko pinta por aqui, ignora a fila e se impõe como leitura da vez.

Não foi diferente com "É Bonito o Meu Punhal", primeira parte de "Carniça e a Blindagem Mística". Dividida entre o sertão baiano na década de 1960 e a Alagoas das décadas de 1910 e 1920, o artista se apoia em relatos de jornais antigos para construir uma HQ sobre rincões que têm as suas próprias regras. É um regimento baseado muito mais numa noção coletiva de moralidade do que em leis formalmente instituídas.

Nessa primeira parte da trilogia, conhecemos um lado do cangaço dominado por mulheres fortes, mestres do punhal, prontas para se vingar, para fazer justiça e justiçamento - os homens pagam muito caro por suas canalhices nessa trama de Shiko. Não é diferente na parte dois da série: "A Tutela do Oculto", que acaba de ser publicada também de forma independente

No centro do novo gibi, uma moça amarrada no tronco e destroçada por pauladas para que morra, mas morra sem nenhum traço de sua beleza. "Nunca mais você vai sorrir pra ninguém. Nunca mais um homem vai olhar pra você e lhe achar bonita. Nem o Satanás", roga o algoz da mulher que se recusou a contrariar desejos e princípios; jamais corromperia a própria ética.

Carniça - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O assassinato acontece num sertão onde colegas da morta marcham sob uma premissa: "Enquanto tiver essa qualidade de macho pelo meu caminho… Eu jurei sair transformando essa estrada em pasto pra urubu".

Como estamos diante de uma HQ marcada pelo sangue e pela violência, que se apoia em registros factuais para apresentar ao leitor uma história permeada de elementos mágicos e fantásticos, não é difícil deduzir por quais caminhos a vingança se dará. "A raiva pode matar. Mas só o ódio ressuscita", lemos num dos momentos mais impactantes do trabalho. Só que sigo apenas com a minha suposição. Aguardo a próxima parte da história para ver se a projeção será confirmada.

Autor também de trabalhos como "Três Buracos", "Lavagem" (ambas publicadas pela Mino) e "Piteco - Ingá" (Panini/ Graphic MSP), Shiko tem uma rara capacidade de arrebatar o leitor. Suas histórias (que, sim, poderiam ser trabalhadas com mais calma) têm bons enredos, mas suspeito que o deslumbre se dê principalmente pelos traços e cores de seus desenhos. É daqueles artistas que sempre merecem a nossa atenção.

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