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Página Cinco

REPORTAGEM

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Enciclopédia Negra e a busca por uma República de verdade

Colunista do UOL

04/06/2021 09h21

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Na 82ª edição do podcast da Página Cinco:

- Entrevista com Jaime Lauriano, autor de "Enciclopédia Negra" ao lado de Flávio dos Santos Gomes e Lilia Moritz Schwarcz (Companhia das Letras).

Alguns destaques da entrevista:

Complexidade, densidade e pluralidade

Um dos critérios foi que tinha que ter mais mulheres do que homens. Por sermos uma sociedade patriarcal e machista, quem tem registro, em sua grande maioria, são homens da população negra, ainda que não tenham tantos. E fizemos um grande esforço para dar diversidade geográfica, não ficar restrito só a alguns lugares. E não ficar restrito só a pessoas escravizadas. Fomos pegar profissionais liberais, o primeiro candidato à presidência negro, a primeira pessoa, que era uma mulher negra, eleita para uma assembleia legislativa... Fomos pegar artistas, engenheiros... Personagens que mostram a complexidade, a densidade e a pluralidade da população negra".

Por um país mais republicano

A Enciclopédia não é ponto de chegada, é ponto de partida. Tanto que na introdução a gente reverencia quem veio antes da gente e saúda os que vão vir depois. A gente usa a Enciclopédia também como uma forma de trazer para o debate os eventos tão importantes do ano que vem, que será o ano mais importante da nossa geração. Eu tenho 36, é a idade da chamada redemocratização. Teremos a "comemoração" do bicentenário da independência, da Semana de Arte Moderna de 1922, do falecimento de Lima Barreto, revisão de cotas raciais das universidades e eleição das mais importantes dos últimos anos.

Perguntas

E a gente tem várias perguntas: que independência é essa que iremos comemorar? Que Semana de Arte Moderna que iremos comemorar? Qual modernismo foi esse? Lima Barreto, um cronista do racismo que traz questões importantes para pensarmos a sociedade brasileira, foi escanteado pelos modernistas. E a revisão de cotas dentro de um governo declaradamente racista, cotas que sim, transformaram a sociedade brasileira? E, por fim, mas não menos importante, qual projeto de país nós iremos escolher nas urnas? A grande utopia dessa enciclopédia é tornar o país mais republicano.

Descaso

O descaso de Estado tem cor. Se tem uma coisa que unifica o Brasil é a violência, mas essa violência também tem marcadores de diferença: de classe, de gênero, de raça.

Trabalho

O Flávio fala que foi uma grande aventura. A Lili chama de mutirão. Eu chamo de doideira boa. Acho que essas três resumem como foi o processo. É uma enciclopédia que segue a padronização e a forma de uma enciclopédia, e tem uma coisa diferente: um guia de leitura, o veja também, para conseguir fazer a relação entre os personagens. Fizemos uma enciclopédia aos moldes de Larousse, Barsa, mas com o pensamento de internet para poder fazer os hiperlinks.

Critérios da arte

Na hora de chegar na composição final da lista de 36 aristas, levei alguns critérios em consideração: ter mais mulheres do que homens, distribuição geográfica, com pelo menos um artista de cada macrorregião do Brasil, diversidade de idade para trazer diferentes versões do que seriam essas personalidades, diferentes inserções no circuito de arte contemporânea brasileira. Dos retratados, seguimos basicamente os mesmos critérios da escolha dos artistas, e havia um primordial: personalidades que não tinham nenhuma imagem.

Verbete visual

Os artistas não estavam ilustrando o verbete, mas criando uma outra forma para que o público ou o leitor acesse o verbete. É possível só ver a imagem e já perceber ali uma história contida. O quadro já é um verbete em si. É um verbete visual.

Inquirir o passado

Não revisar para mudar, mas para ampliar as possibilidades de ler as histórias, ler as Áfricas, ler as escravidões. Temos sim que olhar para o passado, mas não no contexto laudatório nem de crítica. Olhar para o passado no contexto do passado, não à luz de hoje. E, aí sim, fazer perguntas desde hoje. Inquirir o passado com perguntas do presente. Mas não querendo mudar o passado.

Mentes e corações

Se a gente não disputar as imagens da escravidão, não vamos ganhar mentes e corações para mudar essa sociedade. E estamos numa agenda antirracista muito forte, que se fez entendida por uma grande população. Daí a importância de trazer uma cultura pop, de trazer a massificação dessas instituições, sejam elas na música, no cinema, nas artes plásticas, na literatura, na produção historiográfica. Um das coisas que a gente pouco discutia e começamos a discutir agora com muita veemência é como as imagens da cultura de massa perpetuam e naturalizam o racismo advindo da escravização. A importância disso tudo é desvelar as estruturas de poder contidas na produção da história e na produção de imagens.

Fundar uma República

Não é utopia, é trabalho para que daqui duas ou três eleições a gente tenha um presidente preto ou preta no Brasil. É trazer para essa população (e me coloco nessa população) um projeto de país no qual a gente fale em fundar, não refundar uma República. Precisamos realmente implementar a democracia no Brasil, porque tivemos um arremedo de democracia. A gente também tem que ter coragem de elencar as coisas que nunca teve para poder buscar o que a gente quer ter.

O material de divulgação deste podcast conta com arte de Michel Cena7.

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