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OPINIÃO

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As livrarias que merecem o nosso lamento

Livraria Leonardo Da Vinci - Divulgação
Livraria Leonardo Da Vinci Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

19/04/2021 10h08

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Tem livraria que você vai para achar o que quer. Se não tiver, encomenda e acabou. São muito parecidas com qualquer loja virtual. E há livraria que você vai para descobrir o que não conhece. São as mais preciosas.

Nem sempre Saraiva e Cultura foram exemplos inegáveis do primeiro grupo. Muitos anos atrás, quando trabalhava pros lados da Pompeia, engolia a marmita e passava o resto do almoço numa unidade da Cultura. Ali que descobri o cubano Alejo Carpentier e garimpei um exemplar de "Predadores", do Pepetela, para dar de presente para a namorada.

Com o passar do tempo, o lugar seguiu o caminho de lojas similares. A literatura perdeu espaço nas prateleiras e os livros pareciam só justificar o nome do negócio. Absorvidas pelo mercado, não viam mais diferença entre vender García Márquez e Clarice Lispector ou o 100 Regras Para Qualquer Coisa e o pôster da Kéfera. Os lucros precisavam ser maximizados para que o povo da planilha ficasse feliz no final do mês.

Jogaram o jogo do mercado e acabaram massacradas. Quando vejo notícias relacionadas à pindaíba dessas redes, me preocupo. Mas me preocupo por conta da economia do setor editorial, pelo impacto na cadeia do livro, pela forma como isso afeta o negócio.

Diferente do que acontece ao ler as duras notícias que chegaram na semana passada. Primeiro foi a reportagem publicada aqui no Uol sobre o fechamento da Livraria São José, considerada a mais antiga em atividade no Rio de Janeiro - 85 anos de histórias.

"Minha vida foi toda ali na livraria. Então eu tenho saudade. Mas não posso abaixar a cabeça, não. Tenho que ficar bem orgulhoso, porque o que eu fiz pela Livraria São José é coisa muito rara, entrar como faxineiro e chegar a dono da livraria. É uma livraria que era mundialmente famosa. Eu não vou dizer a você que eu não tenho saudade, claro que tenho", disse José Germano da Silva, dono do lugar e um dos livreiros mais antigos do país.

José tem mesmo que se orgulhar. Como tem que se orgulhar qualquer um que ainda toque uma livraria com alma de livraria. Enquanto escrevo, penso no pessoal da Leonardo Da Vinci, também do Rio de Janeiro, da Arte e Letra, lá de Curitiba, da Livraria da Tarde, aqui de São Paulo. Pode até soar cafona ou mofado, mas me parecem lugares feitos por pessoas que entendem que a essência de uma livraria está no que há dentro dos livros, não nas planilhas. Estas devem servir ao propósito maior, não o contrário. Sim, há algo de quixotesco nesse papo. E que bom. Nem só de pragmatismo se faz a vida.

São tempos ainda mais difíceis do que o habitual. Um levantamento feito pela Yadeh a pedido do PublishNews mostrou uma redução de 73% nas vendas de livrarias físicas entre os dias 29 de março e 4 de abril. A combinação de pandemia e falta de suporte do governo durante esses dias tenebrosos fez com que a admirável Blooks precisasse fechar duas de suas lojas. Outras passam por situação muito delicada, contrastando com o aumento de vendas do meio editorial, como apontou reportagem da Folha.

Em livrarias com a cara do livreiro que podemos explorar autores e livros desconhecidos, ir além daqueles títulos com os quais trombamos nas vitrines de qualquer canto. Nesses lugares, o que encontramos é um recorte do mundo oferecido por alguém que normalmente é um bom leitor, não um mero amontoado de potenciais best-sellers selecionados a partir de algoritmos. Pra variar, quem perde com a morte dessas livrarias mais preciosas é a literatura.

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