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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Brasil e a sua elite 'traidora' e 'perversa': papo com Paulo Scott

Colunista do UOL

16/04/2021 09h59

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Na 75ª edição do podcast da Página Cinco:

- Entrevista com Paulo Scott, que acaba de lançar "Meu Mundo Versus Marta", HQ feita em parceria com Rafael Sica (Quadrinhos na Cia) - aqui o caminho para a resenha de "Marrom e Amarelo".

- O Rio que Lê.

- "Essa Palavra Sem Coração", de Tatiana Fraga (Demônio Negro), e "Noturno", de Lucas Alves, Rafael Moura, Marcos Candido e Maria Julia Tuia (@cronicasnoturno), nos lançamentos.

Alguns destaques da entrevista:

Totalitarismo, militarismo, distopia

Queria contar uma história distópica de verdade. Queria falar de totalitarismo, de militarismo... Eu já vinha refletindo há um tempo sobre o quanto, no Brasil, a gente não tinha acertado essa questão que é muito presente no imaginário do brasileiro: de que a repressão, a violência, ela é normal. E dentro daquela tese que sempre sustentei que no Brasil, mesmo após o advento da Constituição de 1988, não se tem uma democracia. Me pareceu oportuno exercitar dentro dessa perspectiva distópica e da linguagem de HQ uma coisa assim, de tudo ou nada, apocalíptica. Essa coisa das pessoas não entenderem o que está acontecendo em volta de si a partir de um elemento externo.

Engajado?

Eu erro, eu acho. Não tenho o sucesso que gostaria de ter com esse compromisso de contar apenas boas histórias. Na seleção do que é relevante para integrar a narrativa, acabo contaminado por esse Paulo Scott, digamos, engajado.

As bolhas de "Meu Mundo Versus Marta"

A gente vive num país miserável, no sentido de termos uma elite preguiçosa, traidora, egoísta, sem empatia. Isso historicamente. Sempre foi assim. Fica só alternando os nomes das famílias, os donos de banco, os grandes donos de terra, mas, de certa forma, o itinerário é o mesmo. A gente tem lugar de respiro, que pode ser nossa família estruturada, os nossos amigos, o espaço cultural que nós inventamos... E lá fora está isso: o Brasil, destinado a ser uma superpotência, tendo que contemplar essa miséria e essa condenação do seu povo, da sua população.

A guerra de 2022

Dentro das suas limitações de alcance, o debate sobre o que está no "Marrom e Amarelo" nunca incendiou, mas nunca desaqueceu. Tanto que continuam saindo análises e questionamentos em cima do livro. Isso não é de todo oblíquo, porque em 2022 a gente tem a guerra que vai culminar, na perspectiva de muita gente, na extinção das cotas universitárias.

Racismo desde a época colonial

A questão do racismo e da incapacidade de admissão do racismo brasileiro, da sua perversidade, esse racismo estrutural, está incrustado numa realidade colonial bastante exitosa, que continua tratando nosso país (com alguns lapsos de respiro, de ambição, de afirmação da soberania) no projeto geral que é o de condução de uma colônia, a que adere uma elite vendida, perversa, que é capataz dos interesses estrangeiros nesse país que não pode prosperar. Pelo tamanho, pela riqueza, pela ameaça que é dentro do quintal norte-americano.

Depois de "Cidade de Deus"

Faltava realmente condições políticas e materiais para que essas vozes chegassem em sua potência aos ouvidos. Isso se viabilizou com a retirada do poder dos jornais e a ampliação das publicações na internet. Isso se ampliou a partir de um volume nunca visto de textos acadêmicos potentes de análise da presença da cultura negra na formação do Brasil e na "resistência" contra essa visão colonialista. Foi se descobrindo perspectivas que não eram trabalhadas antes de maneira adequada e todo mundo começou a perceber que estava equivocado. Na perspectiva literária, o mercado editorial não fica impassível diante do fato de que autoras e autores negras começam a vender muito bem. Ao fato de que você nunca viu escritores e escritoras negras ocupando o mainstream literário ocidental como está acontecendo de dez anos pra cá.

O tempo

Nada nunca está assegurado. E essa que é a parte boa da coisa. Tudo muda. Tanto que livros que passaram invisíveis, passam-se 20 anos e ressurgem como os grandes livros escritos. Com o tempo, muita gente que não teve visibilidade acaba se firmando como grande autor, grande autora.

Rafael Sica

Eu entreguei o argumento e ele fez o que quis. Tanto que chegou no fim e eles refez algumas páginas. E, poxa, eu achava a solução anterior mais interessante. Mas não falei nada. Chegou a esse ponto. Ficou mais sutil ainda, menos impactante visualmente. Eu achei legal, mas ele tirou páginas de desenhos maravilhosos. Tem duas páginas que eram obras-primas. E ele simplesmente substituiu.

A foto de Paulo Scott foi feita por Renato Parada.

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