Topo

Página Cinco

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Livros mais leves, mas não abobalhados, para driblar o caos

Leonardo Da Vinci - Reprodução
Leonardo Da Vinci Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/03/2021 10h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Dizer que não está fácil é martelar no óbvio. Passamos dias naufragando no horror, tentando enganar a tristeza e arrumando formas para não se entregar ao puro desespero.

Há quem me peça a indicação de títulos mais leves. Entendo. Uma das minhas chaves favoritas de leitura é notar como livros dialogam com nossos problemas atuais e históricos. Daí que, num cenário de calamidade, às vezes não sobra muito espaço aqui na coluna para dar uma aliviada. Mas há tentativas, como o recente texto sobre minhas andanças por Lisboa tendo Fernando Pessoa como guia turístico.

Estive pensando em livros que não sejam abobalhados, mas que nos ajudem a, quem sabe, esquecer um pouquinho do mundo lá fora. São títulos que tocam em temas sensíveis e complexos, que têm a ver com este mundo em que estamos chafurdados, mas que também têm passagens mais leves, histórias envolventes, cenas surpreendentes e bem-humoradas, cenários apaixonantes e encontros preciosos. São menos pesados do que um "Memórias do Calabouço", certamente.

Apostar em relatos biográficos é um bom caminho. "Leonardo Da Vinci", de Walter Isaacson (Intrínseca), mostra as dúvidas e dificuldades na formação do gênio do Renascimento enquanto apresenta ao leitor partes daquela Europa do começo do século 16. Bem mais perto do nosso tempo, "Paris É uma Festa" (Record), livro no qual Ernest Hemingway recorda da vida na Paris dos anos 1920 ao lado de outros grandes nomes da literatura, como Gertrude Stein, James Joyce e Scott Fitzgerald, é uma boa para entender a magia (e as dificuldades) que encontravam na capital francesa no período entre guerras.

"Prólogo, Ato, Epílogo", memórias que Fernanda Montenegro escreveu com a ajuda da editora Marta Góes (Companhia das Letras), traz um panorama não apenas da carreira da grande atriz, mas também do teatro brasileiro das últimas décadas e algumas reflexões sobre os caminhos da arte. Tom parecido, ainda que com uma pegada de humor mais acentuada, tem "O Livro de Jô", de Jô Soares em parceria com Matinas Suzuki (também da Companhia), deliciosas lembranças divididas em dois volumes que registram detalhes da história da televisão no país.

Fernanda Montenegro - Divulgação  - Divulgação
Imagem: Divulgação

Penso também nas viagens. Particularmente, a falta de perspectiva de sair por aí é uma das coisas que mais me deixa pra baixo. No começo dos anos 1990, o jornalista italiano Tiziano Terzani, que trabalhava como correspondente internacional, decidiu levar a sério uma profecia que recebera. Foi de navio da Itália para Singapura, passou um ano perambulando pelo sudeste asiático evitando aviões e depois voltou para a Alemanha de trem, aventura que conta com detalhes em "Um Adivinho me Disse - Viagens pelo Misticismo do Oriente" (Globo).

De Paul Theroux, um dos maiores nomes contemporâneos da narrativa de viagem, pesco da estante o "Até o Fim do Mundo" (Objetiva), que reúne fragmentos de alguns de seus livros. Gosto da parte dedicada a passagens de "O Velho Expresso da Patagônia". Em Buenos Aires, Theroux arrumou um jeito de se encontrar com Jorge Luis Borges. Entre uma leitura e outra feita para o escritor cego, papos que mostram muito do racismo de Borges e do seu apoio à ditadura argentina.

"Videla é um militar bem-intencionado. Ele não é muito brilhante, mas pelo menos é um gentleman", disse Borges sobre o carniceiro à frente do regime que assassinou mais de 30 mil argentinos. Pronto, comecei a desviar do foco do texto. Como não trago livros tontos, mesmo em leituras mais leves esbarraremos em questões tristes, delicadas, repulsivas.

De forma rápida, um livro de crônica e duas ficções. "Ode a Mauro Shampoo e Outras Histórias da Várzea", de Luiz Antônio Simas (Mórula), é uma das maiores preciosidades que temos sobre futebol no país. "Tudo Pode Ser Roubado", de Giovana Madalosso (Todavia), é das ficções mais divertidas de nossa literatura contemporânea. E "A Casa na Rua Mango", de Sandra Cisneros" (Dublinense), é um romance terno e delicado (mas que carrega questões bem sérias em meio às sutilezas, é verdade).

E há "Flicts". Sempre haverá "Flicts" (Melhoramentos). Maravilha de Ziraldo que é sim melancólica, mas conforta.

Você pode me acompanhar também pelas redes sociais: Twitter, Facebook, Instagram, YouTube e Spotify.