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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

João Cezar de Castro Rocha: Não podemos ser reféns do bolsonarismo

Colunista do UOL

26/03/2021 09h36

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Na 72ª edição do podcast da Página Cinco:

- Entrevista com João Cezar de Castro Rocha, autor de "Guerra Cultural e Retórica do Ódio - Crônicas de um Brasil Pós-Político" (Caminhos).

Alguns destaques da entrevista:

Oposto de governança

O paradoxo é assim: o êxito do bolsonarismo implica o fracasso do governo Bolsonaro. Para dizer de outra forma, o bolsonarismo é o oposto da governança... Tenho até desenvolvido uma nova hipótese: movimentos como trumpismo e bolsonarismo representam uma perigosa e ainda não estudada mutação da política feita por meio de fatos alternativos e fake news... Não se trata mais de adotar uma teoria conspiratória, trata-se de vivê-la.

Desumanização

Bolsonarismo significa guerra cultural. Guerra cultural na acepção bolsonarista significa a pretensão de haver descoberto a essência, seja da nação, da família ou do indivíduo. E todo aquele que se opõe à essência, que é uma verdade absoluta, é de imediato demonizado. É transformado num outro tão radical que é, na verdade, desumanizado. E toda violência simbólica é o prelúdio do verdadeiro desejo da agressão física. A guerra cultural não existe sem a criação permanente de inimigos.

Narrativa como meio de vida

Precisamos compreender que disputar narrativa para um bolsonarista não é uma disputa, é um meio de vida. Eles passam 24 horas por dia, 7 dias por semana, produzindo memes, agressões, vídeos, muitos vídeos falsos, que são difundidos em redes que sequer conhecemos.

Realidade alternativa

Essa resiliência de popularidade não é espontânea. Ela é produzida pela criação de um poderoso sistema alternativo de mídia e de transmissão contínua de informações dessa natureza. Uma realidade alternativa criada por esse circuito que sequer conhecemos. Não se trata mais de discutir teoria conspiratória como um arranjo desconexo de informação desencontrada, não é mais isso. Agora é propriamente um modo de vida, um modo de estar no mundo.

Um vencedor com 300 mil mortos

No que se refere à guerra cultural da pandemia, o vencedor é o presidente.

Analfabetos ideológicos

Caio Coppolla, Adriles Jorge, Rodrigo Constantino... são todos analfabetos ideológicos nessa acepção que estou propondo. São pessoas inteligentes, e seria uma tolice nossa negar a inteligência que eles possuem. São pessoas que têm uma boa formação universitária, e seria infantil da nossa parte negar isso. São pessoas que têm uma boa capacidade de oratória, e seria tonto se nós não o reconhecêssemos. No entanto, escutá-los é uma experiência dolorosa. É evidente que eles não são capazes de distinguir entre as próprias convicções e fatos objetivos da realidade.

Músicas olavistas

Pesquisando a expressão "Olavo tem razão", descobri uma série de músicas: rap, gospel, marchinha de carnaval, rock'n'roll, heavy metal... O que as letras dessas músicas faziam era transmitir para uma massa de não leitores os ensinamentos básicos do Olavo de Carvalho, o que ajuda a compreender a sua difusão.

Vísceras do bolsonarismo

Tentei oferecer uma descrição da forma mental da extrema direita. O efeito da descrição, do ponto de vista crítico, é muito mais arrasador do que seria qualquer adjetivação, porque você expõe as vísceras do bolsonarismo. E o bolsonarismo é filosoficamente inaceitável, porque o bolsonarismo significa a recusa completa do outro. O bolsonarismo é politicamente inaceitável, porque o bolsonarismo significa uma recusa decidida da democracia. O bolsonarismo é pragmaticamente indefensável, porque o bolsonarismo não é capaz de desenvolver políticas de governo e de considerar dados objetivos.

Olavo, o Silvio Santos da filosofia

Precisamos reconhecer: o Olavo de Carvalho possui uma inteligência acima da média. O Olavo de Carvalho efetivamente tem uma leitura bastante vasta, embora superficial, de um campo muito amplo, embora disperso. O Olavo de Carvalho tem uma enorme capacidade comunicativa. Se nós aceitássemos antropologicamente a sua autodefinição como filósofo, Olavo de Carvalho seria o Silvio Santos da filosofia. Isso é, difícil de imaginar algum comunicador mais hábil do que o Olavo de Carvalho.

Orvil

O Orvil fornece um ponto inescapável do revanchismo e ressentimento das forças armadas. E o Orvil é utilizado o tempo todo nos tuítes involuntariamente dadaístas do Carlos Bolsonaro.

Militares X Democracia

Nós nunca tivemos no Brasil, de fato, um período democrático no qual as Forças Armas não tivessem exercido sempre uma sombra como poder moderador... Nós nunca conseguimos resolver, no Brasil, o problema central do papel dos militares numa ordem democrática.

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