Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mortos como heróis, canto com rancor... O que sobrará desta terra?
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"Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Vento que Sopra Sobre Ela". Olho para o livro mais recente de Ignácio de Loyola Brandão e lembro do papo que batemos quando a distopia agarrada ao presente saiu. Pouco depois, o defensor de milicano seria eleito presidente da República graças a 49.276.990 de votos no primeiro turno, quando tínhamos outras 12 opções de candidatos, e 57.797.847 de votos no segundo.
"Os alemães achavam que tudo estava normal enquanto o nazismo acontecia. Hoje estamos vivendo assim", falou Ignácio na conversa. Na história que criou, comboios circulam pela cidade carregando pessoas mortas. Não há mais Ministério da Saúde ou pastas para Educação, Cultura, Direitos Humanos, Meio Ambiente? Tudo é um caos.
Volto ao título de Ignácio. "Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Vento que Sopra Sobre Ela". Me soa até um tanto esperançoso. Penso em outras possibilidades.
"Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Ódio".
"Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Cinismo".
"Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser o Sadismo".
"Desta Terra Nada Vai Sobrar, a Não Ser um Talquei Armado".
Perambulo pela estante. Tiro alguns livros de poesia que costumo revisitar, hábito frequente entre leitores. "Poesia", de Bertold Brecht, é um deles. Não é raro me encontrar em Brecht. Foi de Brecht, aliás, que Ignácio tirou o título do romance. Releio a queima de livros.
Passo para Nicanor Parra, grande chileno. "Só Para Maiores de Cem Anos". Saiu aqui pela 34, tradução de Joana Barossi e Cide Piquet. Parra sempre tem algo a me dizer.
Paro no poema "Ritos":
Cada vez que regresso
A meu país
depois de uma longa viagem
A primeira coisa que faço
É perguntar pelos que morreram:
Todo homem é um herói
Pelo simples fato de morrer
E os heróis são nossos mestres.
.
E em segundo lugar
pelos feridos.
.
Só depois
não antes de cumprir
Este pequeno rito funerário
Me considero com direito à vida:
Fecho os olhos para ver melhor
E canto com rancor
Uma canção do começo do século.
Mortos. Mortos para tudo que é lado. Heróis? Povo com frescura e mimimi, nas palavras do presidente da República levado ao segundo turno por 49.276.990 de brasileiros e, depois, eleito com 57.797.847 de votos. Penso em Parra. Que cantemos com rancor. A obra de Ignácio já soa como romance realista. Desta terra nada vai sobrar, me parece.
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