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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Livros até na lavanderia: a tentativa de domar uma biblioteca

Livros por todos os cantos - Acervo
Livros por todos os cantos Imagem: Acervo

Colunista do UOL

22/02/2021 10h02

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Chegou o momento de dar um basta, ainda que um basta pela metade. Alberto Mussa aprendera com a biblioteca paterna que a busca pelo conhecimento deve ser feita de maneira independente. O caminho que trilhava, contudo, ganhou dimensões inumanas. Entre livros russos de cálculo, clássicos universais, escritos de outras eras, muita literatura nacional e um olhar aguçado aos autores africanos, criou um acervo que levaria mais de 60 anos para ler. Daí que a chave mudou. "Comecei, então, um processo muito mais complexo que o de construir uma biblioteca: o de decompô-la'.

Mussa elaborou os próprios critérios para transformar aquela biblioteca gigantesca numa bem menor, com cerca de 4 mil títulos. Ele conta essa história em "Decompondo uma Biblioteca", um dos textos do apêndice de "Os Conto Completos" (Record). Ter mais livros do que tempo de vida para lê-los é um traço caro aos grandes leitores.

"Uma biblioteca, ao contrário do que afirmara Don Rigoberto, é um organismo vivo, que vai se ramificando, tomando conta dos cômodos todos. Já vi banheiros, lavanderias e despensas totalmente entulhados de exemplares amados, o que nos dá a certeza de que a imaginação é um universo expandindo mais velozmente do que a realidade", constata Miguel Sanches Neto em "Mudando a Biblioteca", uma das crônicas de "Herdando Uma Biblioteca" (Ateliê Editorial).

Grande verdade. Mas chega a hora em que não há mais espaço nas prateleiras, na sala, no quarto, nos banheiros, nas lavanderias, em canto algum da casa. Para os desabonados que não podem simplesmente comprar um canto maior para se mudar junto com sua biblioteca (time no qual me incluo), impõe-se a necessidade de uma seleção mais ou menos rigorosa dos livros que seguirão nas áreas para eles reservadas - e nas áreas por eles conquistadas.

Uma leitora me escreveu há poucos dias pedindo ajuda. Precisava fazer uma limpa na biblioteca, mas não conseguia se livrar de livro algum. Tentara a técnica da Marie Kondo, inclusive, mas sentia um apego enorme por todos calhamaços que abraçava. Realmente, apelar para o misticismo não me parece o melhor caminho para escolher quais livros permanecerão por perto e quais precisarão procurar por abrigo em outro canto.

Vivo drama parecido. Por aqui, é constante a batalha contra os livros que tentam ocupar novos espaços da casa. Sei que em pouco tempo terei que tomar uma decisão mais drástica. Ter lido Eco e Manguel com atenção ajuda. Uma biblioteca é sempre um recorte pessoal de um universo que oferece infinitas possibilidades. Entender quais são os reais interesses (que, paciência, sempre podem mudar com o tempo) é fundamental na hora de filtrar quais obras merecem permanecer onde estão.

Mussa, por exemplo, privilegiou a literatura brasileira com atenção especial para os livros de contos, gênero que aponta como mais intelectual. Por aqui, muita coisa da literatura de língua inglesa está cada vez mais próxima das caixas que tentarei entulhar na casa dos meus pais; a biblioteca tende a reunir cada vez mais teorias, ensaios, biografias e afins junto da ficção latino-americana (vale lembrar o óbvio: a literatura brasileira está nesse balaio).

Como bem apontou o Miguel, uma biblioteca é um organismo vivíssimo.

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