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Louise Glück: nunca ouvi falar na poeta vencedora do Nobel. E agora?

Louise Glück em ilustração para a divulgação do Nobel. - Divulgação
Louise Glück em ilustração para a divulgação do Nobel. Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

08/10/2020 10h54

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A poeta Louise Glück, dos Estados Unidos, é a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2020. Não conhece a escritora? Como assim você não conhece Louise Glück? Calma, estou brincando.

Toda semana de Nobel é a mesma história. Quando reportamos os favoritos nas casas de apostas, indicamos nossas torcidas e, enfim, anunciamos os vencedores, sempre aparece o povo do "nunca ouvi falar". Maryse Condé liderando o bolão: "não conheço". Torcida para Ngugi Wa Thiong'o: "quem é esse?". Láurea para Olga Tokarczuk: "escritora obscura, desconheço".

O pessoal do "nunca ouvi falar" se divide em duas vertentes. Uma acredita que o mundo que merece ser conhecido se limita exatamente ao que já conhece. Frases como "afeee, nem sei quem é, andam premiando cada escritorzinho..." denunciam o tipo. Já os leitores da outra vertente partem da constatação do desconhecido para seguir caminho oposto. Desesperam-se. Flagelam-se nas redes. Portam-se como se todo leitor digno tivesse que conhecer absolutamente tudo o que presta de literatura neste mundo (nem tudo o que leva o Nobel presta, mas esse é papo pra outra hora).

Não há muito o que dizer ao primeiro tipo. Se o cidadão ou cidadã crê na onisciência umbilical, paciência; que fique alimentando a ignorância em seu canto. Para o segundo, minha mensagem é de paz: calma, amizade, calma. Ninguém conhece todo mundo que já ganhou, que merece ganhar ou que mereceria pelo menos uma atenção da Academia Sueca. Ninguém mesmo. Pode ter certeza, até Harold Bloom e Antonio Candido não leram alguns grandes autores ao longo de suas vidas.

Quando o nome de Louise Glück foi anunciado nesta manhã, a primeira reação de muito leitor bom pra caramba foi: olha só, bora descobrir a poesia dela! Estou junto. Só não vou falar que a norte-americana de 77 anos que se tornou a 16ª mulher a vencer o Nobel era completamente desconhecida para mim porque já tinha trombado com o nome dela em listas de apostas.

E Louise não é mesmo um nome familiar aos leitores brasileiros. Seus livros ainda não saíram por aqui, e apenas alguns poemas ganharam traduções publicadas em veículos como o Jornal Rascunho (há dois deles mais adiante). Ela estreou na poesia em 1968 com "Firstborn". De sua produção, destacam-se títulos como "The Wild Iris", de 1992, que lhe valeu o Pulitzer, e "Faithful and Virtuous Night", de 2014, vencedor do National Book Award. Uma boa porta de entrada para o trabalho da agora Nobel pode ser a coletânea "Poems: 1962 - 2012".

Ao anunciar a vencedora, a Academia Sueca justificou a escolha com uma série de clichês. Apontou que Louise levava o galardão e a grana por conta de "sua voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência do indivíduo". Não diz muito. São palavras que encontramos na orelha de centenas de livros de poemas. Anders Olsson, porta-voz do comitê do Nobel, pintou a norte-americana como uma artista sagaz e cheia de humor, dona de um estilo claro e comparável à compatriota Emily Dickinson em sua severidade e relutância em aceitar uma fé qualquer.

Passeando por críticas a resenhas, captamos algumas das preferências temáticas de Louise: a infância, a família, a solidão, a morte... Há também um profundo interesse pelos mitos gregos e romanos, com um novo olhar para histórias de personagens como Perséfone e Aquiles.

Então, uma vez mais: não conhece Louise Glück? Calma, você não está sozinho. Se chegou até aqui, já tem uma ideia melhor quem é a nova Nobel. E deixo os dois poemas prometidos da norte-americana. Foram traduzidos por André Caramuru Aubert e publicados na edição de junho de 2016 do Rascunho (há outros poemas da autora por lá, vale conferir):

O trem de Chicago

Ao meu lado por toda a viagem
Mal se movendo: apenas um Senhor com sua caveira
Entediada do lado de lá do apoio de braço enquanto o garoto
Apoiou a cabeça entre as pernas de sua mãe e dormiu. O veneno
Que substitui o ar tomou conta.
E eles se sentaram -- como se a paralisia que precede a morte
Houvesse os pregado ali. Os trilhos se viraram para o sul.
Eu vi sua virilha pulsando? os piolhos agarrados ao cabelo do bebê.

Portland, 1968

Você fica firme como ficam as rochas
que o mar alcança
em ondas transparentes de desejo;
elas estão arruinadas, finalmente;
tudo o que está preso está arruinado.
E o mar triunfa,
como tudo o que é falso,
tudo o que é fluente e feminino.
De trás, uma lente
se abre para o seu corpo. Por que
você deveria se virar? Não importa
quem é a testemunha,
por causa de quem você está sofrendo,
por quem você fica firme.

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