Brad Pitt é nova cartada da F1 para consolidar o esporte no entretenimento

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Hoje, a Fórmula 1 estreia nos cinemas do Brasil. Não, não é a transmissão de uma corrida na telona, mas o resultado de um movimento que começou há quase dez anos e que, cada vez mais, embaralha os limites entre esporte e entretenimento.
Um avanço salgado, diga-se. "F1: O Filme" custou cerca de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão), de acordo com o jornalista Matthew Belloni, do Puck —o que coloca o longa-metragem entre os mais caros da história. Para comparação, é o equivalente ao custo de uma equipe inteira durante uma temporada da Fórmula 1, incluindo salários e desenvolvimento de motores.
A expectativa é alta. O filme tem a direção de Joseph Kosinski, o mesmo do sucesso "Top Gun: Maverick", além de um roteiro com liberdades poéticas para acomodar o astro Brad Pitt. As filmagens usaram carros reais da Fórmula 2, modificados, e aconteceram junto com parte da temporada da F1. Como cereja do bolo, conta com produção do heptacampeão mundial Lewis Hamilton e apoio total da Liberty Media, a dona da categoria.
E que jornada tem sido para a Liberty. Tudo isso começou lá em 2016, quando o conglomerado fundado por John Malone viu uma oportunidade única: comprar o ápice do automobilismo mundial, na época controlado por Bernie Ecclestone e uma firma de investimentos, a CVC. O momento não era bom.
Ecclestone havia ascendido ao poder a partir dos anos 1970. O então dono da Brabham assumiu a liderança entre os donos de equipes, criando uma associação dos construtores —a Foca. A organização, que tinha objetivos comerciais, entrou em um embate com a Fisa, que era a Federação Internacional de Automobilismo Esportivo. Ao fim do conflito, já nos anos 1980, o inglês havia consolidado o seu poder não só como dono da F1, mas colocado o campeonato no topo do esporte mundial —e ampliado as receitas de todos os times.
Foi Bernie Ecclestone que transformou a Fórmula 1 no negócio multibilionário que conhecemos hoje.
Acontece que o empresário, hoje com 94 anos, ficou no passado. Não entendeu a revolução no panorama da mídia mundial, a mudança de comportamento dos jovens ou o crescimento das redes sociais. A modalidade havia se tornado elitista, com audiência em queda.

"As crianças vão ver a marca Rolex, mas será que vão comprar um [relógio caro]? Elas não têm dinheiro pra isso. Ou nosso outro patrocinador, o UBS —essas crianças não ligam para banco. Nem têm dinheiro suficiente para colocar nesses malditos bancos, de qualquer forma. É o que eu acho", disse Ecclestone em uma agora famosa entrevista para a revista Campaign Asia-Pacific, em 2014.
Não sei por que as pessoas querem alcançar a chamada 'geração jovem'. Por que querem fazer isso? É para vender alguma coisa pra eles? A maioria desses jovens não tem dinheiro nenhum. Eu prefiro alcançar o cara de 70 anos que tem dinheiro de sobra. Bernie Ecclestone, então dono da F1, em 2014.
Sob nova direção
Os novos proprietários não poderiam discordar mais, e iniciaram uma revitalização do produto. Liberaram as equipes de postarem nas redes sociais, mudaram o logo e adicionaram elementos dos games às transmissões. Veio até um tema musical, criado por um compositor de Hollywood.
Contudo, a grande virada veio mesmo com a série documental "Dirigir para Viver" ("Drive to Survive", no original), exclusiva da Netflix. Com uma plataforma global e explorando os conflitos que não víamos nas transmissões, a categoria pode finalmente abraçar os jovens —inicialmente menos interessados nos carros e mais nas pessoas por baixo dos capacetes.
Os números confirmam a tendência. Segundo a Nielsen, a base global de fãs da Fórmula 1 cresceu e chegou a 826,5 milhões de pessoas em todo o mundo.
Nem tudo, claro, é perfeito: após um crescimento na pandemia, a audiência nos Estados Unidos vem enfrentando uma queda a partir de 2023. Já no Brasil, a Band —que tem os direitos de transmissão desde 2021— não alcança os números dos tempos de TV Globo, ficando entre o segundo e quarto lugar no ranking das emissoras abertas.
Independentemente disso, os dois canais disputam nos bastidores os direitos de transmissão a partir de 2026, segundo o NaTelinha. O interesse é impulsionado pelo apelo comercial que o público da Fórmula 1 tem junto aos anunciantes.
Corrida por visibilidade
Ao que parece, todo mundo está vendo o copo meio cheio. Afinal, o número de marcas envolvidas no esporte cresceu exponencialmente nos últimos anos. Para acomodar o revigorado interesse, a Liberty Media até criou novos espaços para publicidade.
Um dos principais exemplos é a LVMH, conglomerado francês do setor de luxo, que, segundo a Bloomberg, fechou um contrato de cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) por dez anos. Pelo acordo, a fabricante de relógios TAG Heuer assumiu o posto da Rolex na cronometragem oficial, e os troféus passaram a ser entregues em caixas da Louis Vuitton.

Ecclestone errou —e por muito. Ignorou que grifes de luxo precisam, antes de tudo, ser desejadas pelas massas, e não carregar o cheiro de naftalina dos armários. E, naturalmente, há uma conexão evidente entre esse desejo e um esporte caro como a F1.
"A sinergia entre os nossos dois mundos se reflete na excelência artesanal dos nossos ateliers e garagens, entre artesãos e engenheiros, enquanto celebramos o desempenho excepcional dos pilotos campeões ao redor do mundo, que embarcam em uma jornada de excelência a cada corrida", explicou Pietro Beccari, presidente da Louis Vuitton, no comunicado oficial sobre a parceria.
Os grupos de mídia e streamings estão juntos nessa carona em alta velocidade. A Netflix lançou uma segunda série documental, chamada "F1 Academy", sobre as jovens pilotas mulheres que disputam o campeonato feminino de base com o mesmo nome. Além disso, em 2023, a Liberty fechou um acordo com o Paramount+, que desde então exibe seu logo, séries e filmes nos grandes prêmios.
Para 2026, já foi anunciada uma parceria com nada menos que a Disney. "Dados mostram que mais de quatro milhões de crianças entre 8 e 12 anos acompanham ativamente a Fórmula 1 na União Europeia e nos Estados Unidos —enquanto 54% dos seguidores no TikTok e 40% no Instagram têm menos de 25 anos", informou a categoria.
Mais detalhes sobre o acordo não foram divulgados, mas o tom indica uma possível ampliação das ações voltadas ao público infantil —que já tem sido engajado em iniciativas pontuais, como transmissões da plataforma F1 TV dedicadas exclusivamente às crianças.
Por fim, tem a Apple, uma das maiores companhias do mundo em valor de mercado. "F1: O Filme" é uma produção bancada pela gigante da tecnologia, que entregou os direitos de distribuição nos cinemas para a Warner Bros.
Para associar sua imagem à competição e ao avanço tecnológico, a empresa fundada por Steve Jobs usou o longa-metragem até em seu recente evento para desenvolvedores de software, o WWDC, onde apresentou as maiores mudanças em seus sistemas operacionais na última década.
Após um período de exclusividade nos cinemas, o longa-metragem ficará disponível com exclusividade no Apple TV+, que é o streaming por assinatura da companhia.
A aposta em "F1: O Filme"
Há muito em jogo com esta produção —e, até aqui, o diretor Joseph Kosinski e o produtor Jerry Bruckheimer (de "Top Gun: Ases Indomáveis" e muitos clássicos do cinema pipoca) estão entregando a sua missão com excelência.
Em entrevista ao podcast The Town, Kevin Goetz, presidente da Screen Engine —especializada em exibições-teste— afirmou que o longa teve desempenho superior ao de "Top Gun: Maverick" nessas sessões.

A imprensa também já assistiu ao filme e, segundo o Rotten Tomatoes, "F1: O Filme" conta com 88% de aprovação entre os críticos, com base em 121 avaliações. Vale lembrar que, em produções desse tipo, é comum haver uma diferença de percepção entre o público e os jornalistas —que, em geral, costumam ser mais rigorosos nas críticas.
Ainda assim, a expectativa de bilheteria não é tudo isso. Segundo o Box Office Therapy, a previsão é que a arrecadação nos EUA fique entre US$ 59 milhões e US$ 75 milhões (de R$ 327 milhões a R$ 416 milhões) no primeiro fim de semana. Bons números, mas não excelentes —ainda mais considerando o tamanho do investimento. O que pode mudar essa trajetória é um boca a boca positivo dos espectadores após as primeiras sessões.
Os donos dos cinemas torcem por isso. Já a Liberty Media não deve estar tão preocupada: a soma de todos esses esforços promocionais e de arrecadação fizeram o produto que eles compraram em 2016 por US$ 4,4 bilhões (R$ 13,5 bilhões, no câmbio da época), com mais US$ 3,4 bilhões em dívida líquida (R$ 10,5 bilhões, também na cotação daquele ano), hoje seja uma companhia com capital aberto na bolsa com um valor de mercado na casa dos US$ 26 bilhões (R$ 144 bilhões).
A tela grande é apenas mais uma (e importante) volta nessa corrida de transformar o esporte, cada vez mais, em entretenimento. A diferença é que, desta vez, tem Brad Pitt ao volante e a trilha épica de Hans Zimmer.
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