Streaming grátis vira tendência mundial, e Brasil é novo campo de batalha

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Como esta coluna adiantou ainda em outubro do ano passado, a tão comentada "guerra do streaming" acabou. A Netflix, a primeira e única a romper a barreira dos 300 milhões de assinaturas, venceu. Contudo, um novo conflito começou: a "guerra dos anúncios", com os principais grupos de mídia e tecnologia disputando o dinheiro da publicidade —e a atenção do público.
Nessa nova disputa, um campo de batalha é especial: o do streaming grátis. São plataformas totalmente abertas, sem qualquer custo, mas que trazem propagandas. Vertente essa que, aqui no Brasil, vai ficando cada vez mais interessante. A novidade mais recente é a chegada da Roku TV ao Vivo, disponível nos dispositivos da marca desde o início deste mês.
O novo serviço se enquadra no chamado modelo Fast, já abordado nesta coluna. O nome é uma sigla em inglês para "free ad-supported streaming television" —ou "televisão via streaming gratuita suportada por anúncios", em português. Trata-se de um retorno ao linear, aquela do "ligar o televisor, zapear pelo controle remoto e deixar rolando o que encontrar".
Lembra muito a velha TV paga, mas sem a parte do "paga".
Com o lançamento, a companhia norte-americana agora concorre contra Pluto TV, Samsung TV Plus e +SBT, entre outros —todos apostando no mesmo formato, 100% gratuito.
Fundada nos EUA em 2002 e atuando no Brasil desde 2020, a Roku começou por aqui vendendo pequenos dispositivos que permitem transformar qualquer aparelho de televisão em uma TV conectada. Depois, passou a fornecer o seu sistema operacional para fabricantes como Philco, AOC, TCL e Semp.
Por que oferecer de graça?
O mercado de Fast está agitado. Em todo o mundo, segundo dados da Gracenote, são cerca de 1.900 canais do tipo disponíveis —sendo 1.300 apenas nos Estados Unidos. Por lá existem serviços como a Tubi e a Freevee, que ainda não chegaram ao nosso país.
Por isso, os EUA são o grande exemplo do potencial que o modelo pode alcançar. No país, ele já representa 3,7% da audiência da televisão, de acordo com um estudo divulgado pela Nielsen no ano passado.
Já a Statista aponta que a penetração desse tipo de plataforma deve chegar a 13,1% em todo o mundo neste ano, com um faturamento de US$ 11,68 bilhões (cerca de R$ 65 bilhões) —e que deve crescer a US$ 16,14 (R$ 92 bilhões) em 2029.
O Brasil, um mercado consumidor com seus próprios desafios e mais sensível ao alto custo dos streamings por assinatura, traz um potencial ainda maior de crescimento —e sem a mesma saturação vista em solo norte-americano. É nisso que a Roku está de olho.
A receita do bolo
Em janeiro, a Roku informou ter alcançado 90 milhões de domicílios globalmente. Nos Estados Unidos, afirma que seu sistema está presente em pelo menos um dispositivo em cerca de 50% das casas.
A estratégia da companhia é multifacetada. Começa pela venda de hardware e software —dos dispositivos Roku e de sua interface proprietária. À medida que a base de usuários cresce e atinge uma certa maturidade, a empresa amplia seu portfólio com novos serviços, passando a monetizar esse ecossistema.
"Começamos a ter engajamento, vai crescendo essa penetração, essa audiência. E aí depois iniciamos a monetização", explica Adriana Naves, chefe de distribuição de conteúdo da companhia. É nesse momento que entra o Roku Channel.
Nos Estados Unidos, essa plataforma funciona como um hub de entretenimento, oferecendo desde canais grátis até opções de assinatura, compra e aluguel de conteúdos —algo semelhante ao que fazem Amazon no Prime Video e Apple na Apple TV.
Para o Brasil, no entanto, a estratégia foi diferente. "Como vemos que o mercado de streaming e Fast no Brasil é superimportante —justamente por ser gratuito e tudo mais—, preferimos trazer antes o módulo de Fast", conta Adriana. Segundo ela, foi o oposto do que aconteceu no México: "Nós quisemos trazer isso para o Brasil antes".
Fizemos uma experiência que nenhum lugar do mundo da Roku fez antes, porque sabemos que a penetração e a demanda por Fast aqui [no Brasil] é enorme --e tem um potencial de publicidade também muito grande. [...] Nós tivemos essa experiência no México, onde lançamos primeiro o 'convenience' e depois o Fast. Preferimos pegar tudo que aprendemos no México, comparar com os dados do mercado brasileiro e trazer o que é mais relevante, logicamente já adaptado.
Adriana Naves, chefe de distribuição de conteúdo da Roku
Como acessar e usar o Fast da Roku?
Para encontrar os canais Fast, não há segredo: acesse o sistema operacional da Roku (disponível nos dispositivos da empresa e em TVs das marcas parceiras), e clique no ícone "TV ao Vivo". A partir daí, basta zapear. São 30 sinais lineares, incluindo filmes, séries e notícias. Não é possível assistir a partir de outros meios, nem mesmo pela internet.
Lá, o espectador encontra diversos nomes conhecidos, como MasterChef, Sony e Fifa, além de emissoras de notícias como Record News e Canal UOL. Há parcerias de conteúdos com agregadores e distribuidores como Tastemade, Sofa Digital e Stingray, entre outros.
A coluna testou a novidade nos últimos dias, e o sistema surpreende pela agilidade na troca de canais e na velocidade de carregamento, pontos que costumam ser mais lentos em serviços Fast. Parece TV a cabo.

Mesmo com a boa performance técnica, chama a atenção o número reduzido de canais disponíveis, sendo menor do que os dos concorrentes diretos. Adriana Naves explica que há uma rotatividade planejada: "Se o parceiro não performa, depois de três meses —que é geralmente quando mudamos a janela— ele dá espaço para um novo".
Por isso, para os próximos meses a Roku promete novidades, com a chegada de conglomerados globais. "Também estamos conversando com parceiros locais", afirma a executiva. Ela destaca ainda que, além do uso de inteligência artificial, a curadoria humana tem um papel essencial na estratégia da empresa. "E isso não funciona só no Fast", diz.
"Quando a gente fala de engajamento, falamos de tudo que engloba a plataforma. Temos os 'recomendados', temos a parte do 'continue assistindo', várias coisas que permitem esse olhar que vai além da inteligência artificial. Ela é importante, claro. Mas tem que ter esse 'dedinho' local também, para puxar o que faz sentido".
Concorrente no ícone ao lado
O que chama atenção na estratégia da Roku é que quem não encontra o que assistir nos Canais ao Vivo da própria companhia, pode usar o dispositivo da marca para acessar uma das principais concorrentes, a Pluto TV, com apenas mais um clique no controle remoto. Na mesma navegação, o usuário pode também encontrar outros serviços que o Roku Channel ainda não trouxe para o Brasil, como aluguel e compra de filmes, nos apps de Apple TV e Prime Video.
Isso ocorre porque a Roku é agnóstica, ou seja, aberta a todos os parceiros.
Adriana Naves conta que a estratégia ocorre porque a empresa aposta bastante em sua interface, mais simples que a dos concorrentes, além da já mencionada curadoria. "A experiência da Roku é nossa principal característica", gaba-se Adriana Naves. "Ele pode testar outros serviços, sair e voltar, porque o usuário da Roku já é fiel à nossa plataforma.".
Seja como for, em qualquer lugar por onde o espectador navegue, a Roku ganha —inclusive entendendo melhor gostos e o que mais engaja.
Anúncios na plataforma
Não existe almoço grátis, afirma o velho ditado. Isso também vale para o streaming: o Fast faz uma troca com o espectador, que cede uma parte do seu tempo para os anunciantes —que são aqueles que, efetivamente, pagam a conta.
Uma das grandes vantagens aqui é que o linear via internet, ao mimetizar o jeitão da TV tradicional, apresenta a publicidade de forma mais orgânica, sem incomodar tanto. Além disso, formatos que são ao vivo por natureza —como jornalismo e transmissões esportivas— funcionam melhor, inclusive ao trazerem propagandas.
Os intervalos dos novos canais se somam aos outros modelos de monetização dentro da Roku, que agora entra no último momento do seu plano de negócios. "A gente está passando do engajamento para a rentabilização", afirma Adriana Naves.
Pois é. Enquanto Netflix, Amazon Prime Video e concorrentes aumentam preços e apresentam planos com anúncios, apertando o cinto do usuário, outros modelos crescem oferecendo conteúdo de graça —diferente, mas que pode muito bem coexistir na sua rotina de sofá.
No fim das contas, o que parecia coisa do passado, zapear por canais com horário fixo, pode ser justamente o futuro... Principalmente quando o bolso começa a mandar no controle remoto.
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