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Super Bowl cresce como show, mas NFL ainda sofre com apelo esportivo global

Futebol se joga com uma bola redonda nos pés, correto? Nem sempre. Também existe o que chamamos de futebol americano, aquele da bola oval. Neste domingo (9), acontece o Super Bowl, que é a final do campeonato organizado pela National Football League, a NFL. Mais do que uma disputa dentro das quatro linhas, o jogo se transformou em um exemplo de como se aliar esporte e entretenimento para criar um produto comercial, que movimenta bilhões de dólares.

Essa ambição cresceu nos últimos anos. A liga norte-americana tem buscado uma expansão internacional e, em 2024, realizou seu primeiro confronto em terras brasileiras, no estádio do Corinthians. Contudo, a expansão também tem os seus desafios —incluindo, na visão de alguns especialistas, um baixo apelo global frente a outras modalidades esportivas.

Seja como for, há um império já consolidado nos Estados Unidos. De acordo com levantamento da empresa de marketing esportivo Sports Value, realizado no ano passado, a NFL é a maior liga do mundo em termos financeiros, com US$ 19,2 bilhões de receita anual (R$ 111 bilhões, na conversão) —superando MLB, que é a associação de beisebol dos EUA (com US$ 11,6 bilhões, ou R$ 67 bilhões), as Olimpíadas (US$ 10,8 bilhões em um ciclo de quatro anos, ou R$ 62,5 bi) e a NBA (US$ 10,6 bilhões, R$ 61 bi).

A mais bem posicionada do "nosso" futebol fica apenas na quinta posição da lista geral, com um faturamento de US$ 7,6 bilhões (R$ 44 bi). É a Premier League, a primeira divisão da Inglaterra.

Essa é a consolidação de um plano de décadas, conta o jornalista Antony Curti, comentarista dos canais ESPN. "A NFL foi por etapas. Primeiro, ela buscou um domínio nacional que começou a ser consolidado nos anos 1960. O segundo passo foi chegar a 32 franquias, que foi o sonho da liga durante muito tempo, uma coisa que foi antevista nos anos 1950. A NFL se planeja com muita, muita antecedência", explica.

Travis Kelce, namorada da pop star Taylor Swfit, estará novamente no Super Bowl deste ano
Travis Kelce, namorada da pop star Taylor Swfit, estará novamente no Super Bowl deste ano Imagem: Getty Images

A etapa seguinte não estava em casa. "O mercado americano é muito rico e poderoso, mas ele vai se saturando. Vai chegando no teto, ao máximo da exploração, e aí fica claro que há um crescimento muito mais acelerado nos mercados internacionais", complementa Amir Somoggi, sócio e diretor da Sports Value.

Para Curti, isso se soma a outra motivação: uma rixa de origem local. "A NBA tem um processo de crescimento internacional muito grande no século 21. Claro que isso é amparado para alguns jogadores internacionais de sucesso. O basquete já tem raízes em vários outros países há muitas décadas, mas você tem um Tony Parker [ex-jogador do San Antonio Spurs], que é francês, e o Yao Ming [ex-Houston Rockets], que é chinês, e a NBA começou a explodir muito internacionalmente".

Nessa busca, a NFL seguiu o caminho trilhado pelos concorrentes, expandindo para a Europa (com foco em Inglaterra e Alemanha), México e Ásia. Além de eventos locais e no marketing, a liga passou a realizar jogos de temporada regular em alguns desses países. Foram 39 partidas em Londres, com mais três já programadas. No México ocorreram quatro, assim como na Alemanha. No Brasil, a primeira aconteceu em setembro passado, na Arena Corinthians, para um público de mais de 47 mil pessoas —e com os ingressos esgotando rapidamente.

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O ápice no Super Bowl

A peça fundamental nessa estratégia é o Super Bowl. Criado no final dos anos 1960 após uma fusão entre duas associações nacionais, a partida decide o grande campeão do ano. Um produto de entretenimento por si só, a transmissão atrai a atenção de um público ainda maior que o da temporada regular e é um sucesso em termos comerciais.

De acordo com dados compilados pela Applied Analysis e publicados pela Forbes, o big game, como é chamado, teve um impacto de US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) na economia de Las Vegas, onde foi realizado em 2024. Na TV, um espaço de 30 segundos no intervalo deste ano pode passar de US$ 8 milhões (R$ 46 milhões), informa a Variety. No ano passado, a audiência foi recorde nos Estados Unidos, com 123,7 milhões de espectadores, em média.

"O futebol americano é um esporte que funciona muito bem na TV porque tem mais pausas, o que permite vender esses espaços, e tem todos os apoios visuais que a TV dá e que não existem no estádio", explica Curti. "Sem querer, porque não nasce com esse intuito, acaba sendo perfeito para a televisão".

Usher se apresentando no intervalo do Super Bowl de 2024
Usher se apresentando no intervalo do Super Bowl de 2024 Imagem: Ezra Shaw/Getty Images

Além dos dois melhores times do ano em campo, o Super Bowl inclui uma grandiosa apresentação musical que ocorre entre o segundo e o terceiro quartos, sempre com a presença de um grande artista de fama internacional. No passado, nomes como Michael Jackson, Rihanna, Rolling Stones, Shakira, Lady Gaga, Bruno Mars e Madonna já passaram por esse palco. Neste domingo, teremos o rapper Kendrick Lamar, com participação da cantora SZA. "Uma parte importante da audiência nos EUA está mais focada no show do intervalo do que no jogo em si. No mundo, podemos dizer que é ainda mais", argumenta Somoggi.

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No Brasil, Antony Curti destaca um ponto adicional para essa expansão. "Não querendo puxar a sardinha pro nosso lado, mas são mais de 30 anos de exibição da ESPN aqui no Brasil —e as transmissões sempre foram feitas de maneira muito didática. Esse sempre foi o foco para atrair mais pessoas", afirma. Além do canal pago da Disney, a NFL já passou pelo Esporte Interativo. Hoje, pode ser assistida também na Rede TV! e, desde o último Natal, na Netflix.

Nos anos 2000, com mais gente tendo acesso à TV a cabo, as pessoas [no Brasil] começaram a dar oportunidade e aí o esporte acabou caindo no gosto do público, porque deram essa chance.
Antony Curti, comentarista da NFL na ESPN

O público global pequeno

Ainda assim, a NFL está longe de ser um sucesso grandioso no nosso país. "Futebol americano somente não é de nicho nos Estados Unidos", enfatiza Somoggi.

Super Bowl é único. Um esporte com baixo apelo mundial com alto impacto, graças ao que foi criado paralelamente ao jogo. Embora seja a maior audiência dos EUA, no mundo segue muito irrelevante em comparação com outras modalidades. O segredo é o sportentainment [a mistura de esporte e entretenimento].
Amir Somoggi, diretor da Sports Value

No nosso país, os dados confirmam essa percepção. Em 2024, de acordo com informações obtidas pela Máquina do Esporte, a Rede TV! obteve com o big game uma audiência de 0,2 pontos no ranking da Kantar Ibope. Isso equivale a cerca de 131 mil pessoas em um universo de 15 regiões metropolitanas. Já a ESPN, mesmo com crescimento de 19% no ano a ano e liderando com folga a disputa entre os canais pagos, contou com 183 mil espectadores. Ao mesmo tempo, o perfil oficial da NFL no Brasil na rede social Instagram possui mais de um milhão de seguidores. O número é ainda maior no TikTok: 1,7 milhão.

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Um dos entraves na popularização passaria pelo formato do esporte, de acordo com os críticos. Afinal, se as pausas ajudam na transmissão, elas também deixam a peleja mais truncada. Um estudo do Wall Street Journal publicado em 2010 indicava que, dentro dos 60 minutos regulamentares, havia apenas dez minutos efetivos de ação em campo —e em transmissões que podem passar de três horas de duração. Como comparação, uma pesquisa de 2023, realizada na segunda divisão da Inglaterra, indicava 57 minutos de "confronto real" dentro dos 90 estipulados para o esporte que se joga com a bola nos pés.

"Eu entendo essa visão, mas a gente está numa geração que as pessoas fazem um monte de coisa [ao mesmo tempo]", defende Antony Curti. "Talvez eu seja um pouco parcial em relação a isso, mas a minha visão é que as paradas no futebol americano não são diferentes de uma partida de futebol, quando um dos times está tocando a bola no meio do campo ou virando o jogo, dando um chute de uma lateral para outra, e não tem uma ação propriamente dita".

As pessoas veem o jogo com celular e tuítam, comentam em redes sociais. Eu acredito que é positivo [a parada na NFL], porque elas não vão perder nada enquanto elas estiverem com o celular na mão. A realidade é essa.
Antony Curti

Nos últimos anos, Curti revela que tem existido um esforço da liga norte-americana na diminuição dessas pausas —como, por exemplo, o fim dos intervalos que ocorriam logo após o touchdown. "Seria equivalente a uma TV aqui no Brasil e para o comercial logo depois de um gol", explica. Todavia, os breaks fazem parte justamente do modelo de marketing do esporte, o que é uma limitação nesses esforços.

Os números comprovam a evolução. Um levantamento da ABC News indicou que 10 partidas da temporada de 2019-2020 entregaram, em média, 18 minutos efetivos de ação, dentro de uma transmissão de 3 horas e 23 minutos (incluindo o pré-jogo). Já para os anunciantes foram reservados 50 minutos, divididos em mais de 20 intervalos.

No caso específico da final, o comentarista dos canais ESPN conta que há um empenho ainda maior. "Não é oficial, mas a NFL tem como orientação para que a arbitragem interfira menos, então costumam ser marcadas menos faltas como um todo e eu acredito que isso acaba deixando o jogo um pouco menos truncado", diz Curti. "Na última década, a gente viu vários Super Bowls com bastante pontuação, inclusive".

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A 59ª edição do Super Bowl acontece neste domingo (9), em Nova Orleans, na Luisiana —com transmissão a partir das 20h30 na ESPN, Disney+ e Rede TV!. A NFL aposta que o público venha pelo show e permaneça pelo que ocorre na partida. Agora, só resta saber se esse plano vai funcionar.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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