Topo

Mauricio Stycer

Com tretas e vida real, acerto da Fazenda vira chamariz para novela bíblica

A Fazenda 2020: Stéfani, Lipe, Jojo e Biel, os quatro finalistas do reality show da Record - Reprodução/PlayPlus
A Fazenda 2020: Stéfani, Lipe, Jojo e Biel, os quatro finalistas do reality show da Record Imagem: Reprodução/PlayPlus

Colunista do UOL

18/12/2020 06h01

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A Record aproveitou as últimas semanas da "Fazenda 12" para divulgar vídeos promovendo a sua próxima novela bíblica, "Gênesis", com estreia prevista para janeiro. É preciso ser muito otimista para acreditar na possibilidade de arrebanhar, entre os fãs do reality show, espectadores para o futuro folhetim.

Em todo caso, a iniciativa deixa claro que novela da vida real, com confinamento e barracos, hoje atrai mais interesse do que novela bíblica. O Ibope médio desta edição, de 13,6 pontos, 60% superior à edição anterior, supera todas as mais recentes produções inspiradas nos livros sagrados.

Já falei mais de uma vez sobre o que levou esta edição a ter a terceira melhor audiência da história (atrás apenas das edições 1 e 3), o maior faturamento comercial e um engajamento sem precedentes nas votações e nas redes sociais.

A pandemia de coronavírus ajudou, involuntariamente, deixando mais gente em casa. O fato de o programa apresentar conteúdo original e ao vivo alguns dias por semana foi outro enorme atrativo. O ótimo elenco, bem diversificado nas suas manhas e manias, foi um achado.

O apresentador Marcos Mion transmitiu uma energia impressionante, com grande jogo de cintura, bom humor e enorme capacidade de comunicação, falando a mesma língua do espectador. Foi ajudado, ainda, por um roteiro esperto, com boas sacadas destinadas à interação com os peões e "discursos de eliminação" originais e ousados.

Ainda assim, é surpreendente a insistência do reality em modelos engessados que atrapalham o andamento do programa. Não há conteúdo possível para um programa diário de mais de 60 minutos. Além de longos demais, os episódios com frequência são pouco didáticos e não ajudam o espectador a entender o que está ocorrendo.

A Record aproveitou mal o prolongamento do reality nas redes sociais, bem como as muitas histórias desenvolvidas em paralelo ao programa exibido na TV, como a do casal Raissa e Lucas Selfie.

A emissora deixou passar uma oportunidade rara de trazer para dentro da televisão um conteúdo gerado espontaneamente no mundo virtual - uma "live" de Mion com os ex-participantes confinados num hotel chegou a ter 125 mil espectadores.

O formato tem regras simples, o que é muito positivo, mas não precisa ser tão pouco flexível. A direção tentou quebrar a expectativa dos participantes com eventuais mudanças nas regras de votação, mas isso é pouco. Dá para inovar e surpreender muito mais.

Há um excesso de zelo na relação com os participantes, medo de desagradá-los, parece. A direção pode ser mais incisiva na cobrança por comportamentos mais comprometidos com o reality, em jogos da discórdia, competições etc. Mion mais de uma vez foi desautorizado por Biel, Jojo e outros nas interações ao vivo.

Também faltou transparência e bom senso num momento dramático em que o estado de saúde de Raissa acabou sendo tratado como entretenimento.

Algumas iniciativas merecem elogios, como a interação apelidada de "lavagem de roupa suja". Mas ela não deveria ter sido gravada às 3h da manhã.

Houve erros em excesso, além do habitual, nas provas deste ano. Foi louvável a disposição de reconhecer os passos em falso, mas as muitas falhas transmitiram uma impressão de desleixo.

As provas em ritmo de gincana, sempre muito imaginativas, em mais de uma ocasião privilegiaram figuras com maior capacidade física. Se o programa se propõe a ser inclusivo, atraindo todo tipo de gente, não pode propor disputas em que alguns não se sintam capazes de participar.

"A Fazenda 12" mostrou o tamanho do seu potencial. A Record não pode se acomodar. Há muito espaço para uma "Fazenda" ainda melhor do que a boa edição apresentada em 2020.