Topo

Mauricio Stycer

Melhem: Fui um homem tóxico, mas jamais tive relação que não foi consensual

Siga o UOL no

Colunista do UOL

05/12/2020 06h01

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O ator e diretor Marcius Melhem reconhece ter cometido vários erros ao se relacionar com mulheres com quem trabalhou na Globo. "Fui um homem tóxico, um marido péssimo, uma pessoa que cometeu excessos ao se relacionar com pessoas do seu próprio ambiente de trabalho", diz.

Mas refuta acusações de violência sexual: "Embora confesse os meus excessos, eu jamais tive alguma relação que não fosse consensual e jamais pratiquei algum ato de violência com quem quer que seja na minha vida" (veja no vídeo acima e na transcrição integral abaixo).

"Mergulhei na minha própria lama para entender os meus erros", diz Melhem em uma longa entrevista exclusiva ao UOL, conduzida por mim e por Dolores Orosco, editora-chefe do Universa, na qual ele repassa a sua versão sobre várias situações vividas nos últimos anos. "Sou a pessoa mais interessada que tudo seja esclarecido".

Dizendo que pretende combater mentiras ditas a seu respeito, Melhem anunciou que entrou com uma ação na Justiça contra a advogada Mayra Cotta para que ela prove as denúncias contra ele. Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, na Folha, Cotta falou em nome de seis mulheres que acusam o artista de assédio sexual.

Melhem também disse que, mesmo lamentando ter que tomar esta atitude, fará uma interpelação judicial a Dani Calabresa, pedindo que ela confirme ou desminta relatos de assédio que teria sofrido. Em reportagem da revista Piauí que chegou às bancas na sexta, o repórter João Batista Jr. descreve em detalhes uma tentativa de assédio sexual ocorrida numa festa, em um bar, em 2017.

"Com uma das mãos, ele imobilizou os braços da atriz. Com a outra, puxou a cabeça dela para forçar um beijo. Assustada, Calabresa cerrou os lábios e virou o pescoço, mas Melhem conseguiu lamber o rosto dela. Em seguida, tirou o pênis para fora da calça. Enquanto a atriz tentava soltar os braços e escapar da situação, acabou encostando mão e quadris no pênis de Melhem", detalha a Piauí.

"Eu e ela sabemos que aquilo não aconteceu", diz. E afirma dispor de provas. "Eu tenho, assim como ela tem, toda a comunicação que tivemos em todos esses anos", afirma. E cita um exemplo: "Uma semana depois daquela festa, que eu teria feito aquilo, aquele absurdo, a Dani me convida para ir à Disney, eu e minhas filhas".

Sobre acusações de assédio moral dentro da Globo, Melhem reconhece que errou ao não ter estabelecido distância dos seus subordinados. Ele afirma que geriu a área de humor como se todos fossem amigos íntimos. "Hoje eu vejo o erro disso", diz.

"Mas nunca inibi, coagi, demiti, persegui. Isso não existe. Não existe um relato de 'se você não fizer isso, eu não te dou aquilo'. Isso não existe".

Pressionado após negar a veracidade de inúmeros relatos, Melhem reconheceu: "Eu acredito que tenham pessoas que eu genuinamente feri, que genuinamente eu magoei. Que eu gostaria muito de saber quem são. E se isso aconteceu, realmente, que eu acredito que aconteceu, me desculpar, reparar e assumir responsabilidade. Quero assumir responsabilidade por qualquer coisa que eu tenha feito", diz. "Mas existem neste grupo processos de vingança contra mim".

Veja abaixo, a íntegra da entrevista:

Melhem - Reprodução  - Reprodução
Marcius Melhem dá entrevista aos jornalistas do UOL Dolores Orosco e Mauricio Stycer
Imagem: Reprodução

UOL: Olá, eu sou Mauricio Stycer, colunista do UOL, e estou aqui na companhia de Dolores Orosco, editora-chefe do Universa, para uma entrevista com Marcius Melhem. Olá, Marcius!

Como vários jornalistas, venho solicitando há quase um ano uma entrevista com você, sem sucesso. Desde o surgimento da primeira notícia sobre uma denúncia de abuso moral, publicada aqui no UOL. Neste período a história evoluiu, novas e graves denúncias surgiram, de assédio não apenas moral mas também sexual. E você, Melhem, se manteve em silêncio, o que de alguma forma pode reforçar a impressão de que é culpado. Por que você demorou tanto a falar, e só concordou agora, depois da publicação pela revista Piaui de uma série de novas denúncias de assédio sexual e moral contra você?

Marcius Melhem: A primeira denúncia, como você falou, tem um ano. Demorei um ano para falar porque antes de tudo eu queria entender. Foi um ano de muito aprendizado, queria entender por que isso estava acontecendo comigo, como isso foi acontecer comigo, e o que eu poderia ter feito que tivesse causado algo desse tipo. E logo num segundo momento, eu tive que me ausentar do país para operar minha filha no exterior. E na volta é que aconteceram estas denúncias, sempre através da imprensa, que me expuseram como um abusador serial, violento.

Para começar, acho muito importante dizer que, depois de um ano, eu consigo entender que tudo que aconteceu e está acontecendo comigo, aconteceu a partir dos meus erros. Hoje eu entendo que tive comportamentos, atitudes, que não cabem mais. Entendo que fui, como homem, e é muito doloroso para mim dizer isso aqui porque me expõe, expõe minha família mais do que já estão expostas, minha ex-mulher, minhas filhas, mas estou aqui por uma questão de dignidade. Já não é uma questão de culpado, inocente, não ser ouvido, condenado, é uma questão de dignidade. E preciso estar aqui com toda transparência, toda a clareza, para dizer que eu fui um homem tóxico, um marido péssimo, uma pessoa que cometeu excessos em se relacionar com pessoas dentro de seu próprio ambiente de trabalho, coisa que eu não via problema, mas hoje entendo todas as nuances que isso pode ter. Entendo que eu, como homem, feri pessoas, magoei, traí, fui galinha, tudo isso foram erros meus e num mergulho muito profundo feito neste ano cada vez entendo mais.

Tive muita ajuda, fora a terapia muito profunda, tive a ajuda de muitas amigas, muitos amigos. Vi muita coisa e mergulhei na minha própria lama para entender, e ainda estou entendendo, os meus erros. Mas é preciso dizer, Mauricio, que, em cima dos meus erros, e das coisas que efetivamente eu fiz, tem muita coisa sendo falada que é mentira e muita coisa sendo falada que, de forma alguma, eu fiz e isso eu preciso combater. Então estou aqui de peito aberto para assumir qualquer coisa que eu tenha feito, para pedir desculpas, reparar, se isso for possível, para entender, para aceitar críticas, mas para combater o que são mentiras, como, por exemplo, esse perfil construído na primeira matéria da "Folha", da Mônica Bergamo, de que eu seria uma pessoa violenta. Essa advogada, Mayra Cotta, traçou um perfil meu de um abusador serial e de uma pessoa que tem hábitos violentos. Eu jamais, embora confesse meus excessos e já confessei aqui e a gente pode conversar sobre eles, eu jamais tive nenhuma relação que não fosse consensual e eu jamais pratiquei nenhum ato de violência com quem quer que seja na minha vida. Esse perfil que foi traçado ali ele não corresponde de forma alguma a quem eu sou.

UOL: Quero começar por aí. A reportagem da "Piauí", do repórter João Batista Jr., informa que conversou com duas vítimas de assédio sexual, sete vítimas de assédio moral e três vítimas dos dois tipos de assédio, sexual e moral. Ou seja, 12 vítimas, sendo pelo menos cinco de assédio sexual. São números chocantes e que descrevem o comportamento de um assediador. Você chegou a dizer, quando saiu a matéria da "Folha que você mencionou, que "estou disposto a reconhecer meus erros, pedir desculpas e, se possível, reparar pessoas que eu tenha de qualquer forma magoado", como você acabou de falar aqui. O que aconteceu de fato? Qual a sua versão para essas acusações apresentadas?

Melhem: É muito difícil essa defesa, Mauricio, porque, por exemplo, nessa matéria da Mônica Bergamo, da "Folha", a doutora Mayra Cotta [advogada das vítimas] traça um perfil que não tem nenhum nome, fato, nenhuma data, nenhuma história, não tem nada ali que eu possa dizer o que aconteceu. Eu posso e eu tenho como deduzir algumas situações. Mas, para eu falar dessas situações, eu também tenho que expor pessoas, o que é delicado. Mas queria dizer, de cara, vou entrar nesse assunto com você, se efetivamente eu teria ou não teria feito. Mas é importante eu dizer logo de cara que eu preciso, mas não só eu como as supostas vítimas, que tudo seja esclarecido. Meu caso é um caso único, nunca vi algo nesse mesmo nível que o meu.

Eu sou uma pessoa que já estou condenado pela opinião pública, já fui condenado, sem que haja uma vítima que se assuma minha vítima, e nem um processo na Justiça. Muita gente acha que já existe um processo na Justiça, mas não existe. Já vi vítimas se manifestarem sem processar e já vi processos acontecerem sem as vítimas identificadas, mas uma situação igual à minha, sem vítimas e sem processo, é uma exposição pura e simples da minha pessoa, me acusando de uma série de coisas, desenhando uma série de atitudes que eu não cometi. Eu cometi muitos erros, mas esses não. Só para deixar claro o quanto eu quero que isso seja esclarecido e o quanto é importante que seja esclarecido, eu tenho o direito de ser julgado. Não posso ser julgado pela opinião pública, exposto...passei de acusado a condenado sem ser julgado. Eu tenho o direito de ser julgado.

Eu estou processando a advogada, doutora Mayra Cotta. Desde ontem [dia 3], entrei com um processo contra ela, para que ela prove o que diz sobre mim, sobre as condutas violentas que eu tive, e estou interpelando na segunda-feira (7), é uma pena eu ter que fazer isso, mas estou interpelando a Dani Calabresa para que ela confirme ou desminta o teor da matéria da "Piauí", porque eu e ela sabemos que aquilo não aconteceu. É importante, Mauricio, dizer que eu sou a pessoa mais interessada em esclarecer tudo isso. Vou falar do caso da Dani Calabresa, tá, porque foi o fato exposto com datas, história. O que o repórter João Batista fez naquela matéria, ele fez um romance, ele traçou um thriller ali, muito bem construído, de como eu teria sido violento e assediado a Dani Calabresa ao longo dos anos a partir de 2017.

cALABRESA - Reprodução/Instagram @calabresadani - Reprodução/Instagram @calabresadani
A atriz Dani Calabresa
Imagem: Reprodução/Instagram @calabresadani

Tanto a Dani Calabresa quanto eu nós sabemos como era a nossa relação, nós sabemos da amizade, da intimidade e do respeito da nossa relação. Nós sabemos em que ponto a nossa relação se deteriorou profissionalmente e isso está sendo recontado hoje de outra forma nessa matéria [da "Piauí"]. Eu quero acreditar que a Dani Calabresa sabe que aquilo ali não aconteceu e é por isso que estou interpelando ela, porque eu tenho, como ela também tem, toda a comunicação que eu e ela tivemos em todos esses anos. É impossível aquilo ter acontecido e a gente ter durante dois anos a partir dali a relação que a gente teve, de amizade, de carinho, de parceria profissional, como se nada tivesse acontecido. É impossível isso ter acontecido. E para isso se esclarecer, todas as mensagens têm que ser mostradas, todas as comunicações, as testemunhas que presenciaram muitos dos fatos estavam na festa, têm que aparecer, mas isso não é aqui.

O importante, queria dizer isso diretamente para a doutora Mayra Cotta, que me acusou, que é uma advogada. Uma advogada devia ser a primeira pessoa a acreditar na lei, e não buscar justiça pela imprensa. A justificativa que ela usa de que as vítimas teriam medo de se expor, as vítimas estão expostas, estão completamente expostas. Não tem ninguém mais exposto hoje que a Dani Calabresa.

UOL: Marcius, a Dani não nega e não confirma o que aconteceu...

Melhem: Sim, eu só estou dizendo que ela está exposta.

UOL: E vocês tinham uma relação de amizade há algum tempo. Vocês conversaram? Se vocês tinham uma relação de amizade não caberia uma conversa em relação a tudo que vinha acontecendo? Porque tenho a impressão que você não entende ou que não conversou com ela sobre isso. Por que esse silêncio dela se vocês tinham uma relação supostamente amigável antes? Existiu algum problema entre vocês que pudesse ter sido interpretado como assédio?

Melhem: Não vou colocar minha intimidade e da Dani Calabresa aqui porque ela não se expôs, não falou nada e eu não vou falar. O que estou justamente dizendo é que isso não se discute aqui. Se isso fosse discutido na Justiça, que é o lugar desse tipo de acusação, isso correria sob segredo de Justiça. Uma acusação de crime sexual corre sob segredo Justiça, estaria todo mundo preservado. Agora a Dani e eu, sobretudo, estamos expostos publicamente, numa situação absurda narrada que teria acontecido numa festa. E respondendo à sua pergunta, eu e Dani tivemos a melhor das relações até que a gente teve um desentendimento profissional em 2019. Essa festa narrada aí aconteceu em 2017. Não quero expor nada, não acho que é o lugar, mas só para citar duas coisinhas para dizer o quanto essa matéria tem muitas falhas.

UOL: Antes de você comentar a matéria, queria fazer uma observação em relação ao que você fez, de pontuar o fato de que essas denúncias estejam vindo pela imprensa. Há outros casos semelhantes, Marcius, em que o ponto de partida para uma investigação de assédio veio de investigações jornalísticas. O caso mais famoso, inclusive, do Harvey Weinstein, está documentado, tem dois livros de jornalistas contando essa história. O fato de ter surgido dessa forma não diminui, não invalida nem nega em si a história.

Melhem: Perfeito, eu concordo com você, Mauricio. Meu ponto foi que uma advogada, que é uma pessoa que tem o manto da lei. De os jornalistas investigarem, tá tudo certo. Imagina, vocês têm que tentar descobrir tudo sobre o caso. O que eu tô dizendo é que, quando uma advogada que está defendendo vítimas, procura a imprensa ao invés da Justiça, isso para mim é um descrédito que ela tem na Justiça. Porque se ela [Mayra Cotta] acreditasse mais na Justiça, que é onde advoga, ela teria levado o caso à Justiça, para que lá, todo mundo protegido pelo sigilo judicial, as provas fossem mostradas, as pessoas pudessem dar seus relatos, as testemunhas serem ouvidas e tudo se esclarecer. Isso é um ponto a mais. Ela se diz na matéria a responsável pela narrativa pública dos fatos. É assim que ela se apresenta. E diz ao mesmo tempo que é advogada das vítimas e das seis testemunhas. Isso me causa muita estranheza.

UOL: A mim, como mulher, não me causa estranheza, porque uma vítima de assédio sexual, quando sofre uma situação dessa, ainda mais no ambiente de trabalho, costuma ser desacreditada, ter sua dignidade colocada à prova. Tem casos muito impactantes recentes que mostram isso. Acho que o medo dessas mulheres é compreensível de não virem a público e terem uma porta-voz. Você acha que isso não é um motivo de não estarem mostrando o rosto, o medo à exposição?

Melhem: Não quero descredibilizar as vítimas em momento nenhum. Acredito que seja difícil para pessoas que se sentiram feridas virem a público. Mas elas estão expostas. Toda a minha argumentação é: ir à imprensa não as livra da exposição, pelo contrário. Agora está a imprensa inteira atrás de descobrir quem são essa as mulheres, a ponto de sair um relato inteiro na revista "Piauí" que é vergonhoso pra mim, pra Dani, aquele relato não aconteceu, é uma loucura.

O que eu estava tentando explicar sobre ela [Cotta] ser advogada das vítimas e das testemunhas, isso me causa estranheza pelo seguinte: ao mesmo tempo que ela diz que é a responsável pela narrativa pública dos fatos, diz que é advogada das seis vítimas e das seis testemunhas. Ora, as testemunhas são pessoas que têm que ser isentas e que viram ou presenciaram ou participaram de alguma coisa e vão ali contar a sua versão, isenta, do que viram. Quando a mesma advogada é responsável pelo que é dito, ela monta uma narrativa única para 12 pessoas. Isso está errado. Uma pessoa não pode ser advogada das vítimas e das testemunhas dessas vítimas ao mesmo tempo, porque isso gera um controle da narrativa. E foi o que ela fez. Veja bem, eu estou falando da advogada, não estou em nenhum momento falando das vítimas, tá? Estou questionando a conduta da advogada. Quando ela traça um perfil, isso é algo muito comum...

Aliás, sempre é assim, são situações em que você não tem provas das coisas e você traça um perfil de que a pessoa age, cinco, seis pessoas contam a mesma história e se elas contam a mesma história, isso aconteceu. Só que nesses casos, as pessoas vêm de lugares diferentes, têm advogados diferentes, nem se conhecem, o que não é o caso ali. Eu questiono, sim, a conduta dessa advogada. Mas, ainda assim, se essas pessoas sofreram alguma coisa a partir de mim, eu tô aqui disposto a me responsabilizar no fórum adequado, que é a Justiça. A pessoa que acusa não pode escolher a pena do acusado. A pessoa que me acusa de assédio sexual não pode escolher que a minha pena é a execração pública e pronto. Isso é o fim do estado democrático de direito, é o descrédito da Justiça. Ela dá uma entrevista de 2.000 palavras e em nenhum momento ela fala essa palavra Justiça.

UOL: O que aconteceu naquela festa em 2017 com você e a Dani?

Melhem: Eu não vou contar. O que eu posso dizer é que aquilo que aconteceu naquela festa, aquela narrativa [apresentada na "Piauí"] é completamente fantasioso, irreal. Tenho testemunhas de que aquilo não aconteceu.

UOL: Por que você não pode falar o que aconteceu?

Melhem: Porque eu não vou expor a Dani! Não vou expor a Dani dizendo o que aconteceu entre eu e ela nem naquela festa nem... [interrompe]. O que posso dizer, por exemplo, é que se tivesse acontecido... porque na narrativa da "Piauí", a partir dali ela teria ficado traumatizada comigo. Isso não aconteceu! Uma semana depois daquela festa, nós trocamos mensagens. Vou falar só isso aqui porque não expõe nada, só para dizer da nossa relação. Uma semana depois daquela festa, que eu teria feito aquilo, aquele absurdo, a Dani me convida para ir à Disney, eu e minhas filhas. "Quero ir para a Disney com você e suas filhas." Uma pessoa que sofreu aquilo uma semana antes vai me mandar um áudio, uma semana depois, no privado, para dizer que queria ir para a Disney comigo e minhas filhas?

Outra coisa dessa narrativa. Ele diz que antes da festa [em dezembro de 2017], em julho, eu teria ido ao Projac [Estúdios Globo], teria batido na porta do camarim dela e ela estaria de roupão para gravar de "Baywatch", de Pamela Anderson, e eu teria pedido para dar uma conferida, que ela abrisse o roupão para dar uma conferida. É muito difícil ler isso. Essa gravação, primeiro, ela não aconteceu no Projac, aconteceu em Grumari. Foi uma gravação de externa na praia, que não existe camarim individual, é um ônibus camarim que fica todo mundo. Eu nunca estive nessa gravação, eu não estava lá. Eu nunca fui a uma externa do "Zorra". Isso tem dezenas de testemunhas que estavam lá.

Então é muito difícil ficar lendo esses relatos construídos para te traçar como um monstro, um abusador. Eu cometi erros pra caramba, eles bastam. Esse perfil de violento, de uma pessoa que agarra... a matéria da Mônica Bergamo e a do João são conflitantes em alguns lugares. O João entrevistou 43 pessoas, segundo ele. Nenhuma delas diz que eu tranquei ninguém em lugar nenhum. E a da Bergamo diz que houve relatos de violência, que eu trancava pessoas em espaços [segundo Mayra Cotta disse à "Folha", as vítimas disseram que haveria um comportamento recorrente de Melhem, "de trancar mulheres em espaços e as tentar agarrar, contra a vontade delas"].

UOL: Quais erros você cometeu, Marcius, que você já reconheceu? Várias vezes você fala "Já cometi erros, mas não esses". Quais erros você cometeu?

UOL: E complementando, você usou uma frase num tuíte seu dizendo "combato o machismo que existe em mim". Esse machismo, em alguns comportamentos seus, se traduziu em forma de assédio? Ele poderia ser traduzido como assédio por essas mulheres?

Melhem: Nunca ninguém me falou, ou chegou pra mim, ou se queixou que eu estava assediando alguém. Hoje, vejo diferente. Olho para comportamentos que tive, flertes dentro do trabalho, e vejo que alguém pode ter essa leitura. Sinceramente vejo que essa leitura pode existir. Mas, até por isso, é preciso que os casos apareçam. Se aparecer qualquer caso que eu tenha assediado alguém, passado do limite com alguém, que eu tenha sido inconveniente com alguém, inconsequente, eu imediatamente vou reconhecer. Estou disposto a reconhecer qualquer coisa que eu tenha feito, qualquer coisa. Eu já me expus.

Isso aqui é o começo de uma exposição que eu pretendo fazer da forma mais absolutamente sincera do mundo. Eu tô de peito aberto, realmente querendo reconhecer. É um ano de aprendizado. E agradeço muito as pessoas que não me cancelaram, mulheres, amigas, que se dispuseram a me ensinar. Minha ex-mulher... Eu traí ela várias vezes, foi muito doloroso para mim [chora]. É muito doloroso pra mim, sentar com minha ex-mulher e contar. Porque só me interessa a verdade agora. Sentei com a minha ex-mulher e contei tudo o que eu tinha feito, tudo o que poderia significar para ela uma traição, mesmo um flerte não realizado, eu contei.

O que eu acho a respeito dos meus erros. Eu entrei ali [na Globo, em 2003], eu não era gestor, não sou administrador de empresas. Eu não apresentei na Globo currículo de MBA. Eu entrei ali ator e autor, colega dos meus colegas. E fui subindo na hierarquia da empresa, fui virando chefe [se tornou diretor de humor em 2018]. E eu achava, de verdade, que o barato era eu não mudar o meu comportamento, era continuar sendo amigo dos meus amigos, vivendo numa grande turma em que todo mundo tinha liberdade, intimidade.

É importante contextualizar isso, porque senão fica parecendo que era um ambiente seríssimo e que eu entrava lá para tentar pegar mulheres. Não era assim, era um ambiente de liberdade, de alegria. Um ambiente que gerou inúmeros trabalhos de sucesso, as pessoas era felizes ali. E nós vivíamos ali uma grande turma. A gente viajava junto, via Copa do Mundo junto, fazia churrasco, festa junina. O humor sempre teve essa intimidade. Hoje vejo o erro disso. É lamentável isso, olhando também o quanto isso me distanciaria dos meus colegas, mas eu acho que é um erro. Eu ali dentro, onde eu tinha poder de chefia, ter me relacionado, me envolvido com pessoas. Eu acho errado. Hoje eu entendo muita coisa que não entendia, as zonas cinzentas em que admirações profissionais podem se confundir com admirações afetivas e pessoas se relacionarem comigo não exatamente porque estavam a fim de mim, mas porque tinham uma admiração em outro lugar. E ia parecer que eu estava me aproveitando disso, entendeu? Agora, eu nunca inibi, coagi, demiti, persegui, isso não existe, pelo contrário. Eu justamente não via os erros disso nesses momentos porque eu não usava isso. Não existe um relato em que eu tenha dito para alguém "Se você não fizer isso, eu não te dou aquilo". Isso não existe! Isso não apareceu.

UOL: Na matéria do João Batista na "Piauí" aparecem relatos, sem identificar quem, sobre coisas que você fez. Uma outra mulher, além da Dani, dizendo que você costumava encostar nelas roçando o pênis ereto. "Ele fazia isso até quando me encontrava nos corredores. Sempre em tom de brincadeira, como se o lugar fosse apertado demais e fosse impossível não encostar em mim", relatou uma delas. Outra atriz diz que você expôs a sua genitália no apartamento dela. O que explica esse comportamento?

Melhem: Nada explica esse comportamento porque ele não existe! Como não existe a minha ida para dar uma "conferida" na Dani de roupão. Eu queria que essas pessoas aparecessem. Não para aparecer em público, expostas. Queria que essas pessoas fossem à Justiça. Quando eu estou processando a advogada, estou dizendo: leve as pessoas à Justiça em segredo e vamos discutir caso a caso. Acho importante contextualizar, Mauricio. Porque se eu te mostrar tudo fora do contexto, vira uma loucura.

Eu tenho vídeos, áudios... Nunca mostraria aqui, pra imprensa. Mas, se eu mostrar, vocês falariam: "Peraí, funcionário jamais falaria assim com o chefe". Tem duas pessoas, só para exemplificar, que hoje lideram esse grupo que está contra mim, que me apelidaram quando eu fui crescendo dentro da TV Globo, de "negrinho insolente". Porque elas diziam que eu vindo lá de Nilópolis, na Baixada Fluminense, jamais poderia ter um cargo de chefia na TV Globo. Nunca liguei para isso. Muitas pessoas me falavam assim: "Isso é racismo", "É preconceito". E eu falava que isso dizia mais sobre essas pessoas do que sobre mim. Pessoas que acham que uma pessoa que sobe na hierarquia da empresa é "um negrinho insolente". E outra, a gente brinca com todo mundo. Eu tenho vídeos de pessoas pegando meu almoço, esfregando na genitália e deixando um bilhete assim para mim: "Bom apetite". Eram brincadeiras que a gente tinha que, se misturar todas de um jeito descontextualizado, dentro dessa irreverência que a gente tinha e mostrar só as minhas partes eu sou um monstro. Mas se você pegar o todo, entende que essas brincadeiras aconteciam mesmo quando eu não estava lá.

UOL: Se você não fez isso que a matéria descreve que você fez, o que explica essas pessoas fazerem essas acusações? Por que essas pessoas estão inventando uma história desse tamanho e dessa gravidade? Foram na Globo, procuraram advogado... É um delírio coletivo isso? Está todo mundo contra você?

Melhem: Assim, Maurício, repito: acredito que tem pessoas nesse grupo que genuinamente eu feri e magoei. Eu gostaria muito de saber quem são, entender quem são e se isso aconteceu realmente, que eu acredito que aconteceu, me desculpar, reparar e assumir responsabilidades. Eu quero assumir responsabilidade por qualquer coisa que eu tenha feito. Mas existe também nesse grupo um processo de vingança contra mim

UOL: Por quê?

Melhem: De pessoas que se sentiram desprestigiadas no trabalho, de pessoas que perderam um lugar em programas que queriam estar. Posso contar um caso sem dizer nomes, só para deixar claro a complexidade disso tudo. E mais uma vez vou aqui me expor. Eu tive um relacionamento, durante dois anos, com uma autora. Na verdade, a gente ficou várias vezes durante uns oito anos. Ela é casada e eu era também naquela época. Só que durante dois anos, essa relação virou um caso mesmo. A gente praticamente namorando e era o meu último ano de casamento. Eu me separei muito porque me apaixonei por essa pessoa. Então tivemos relação. Ela entrou na Globo, depois ela veio trabalhar comigo, depois trocou de equipe de novo. Ela não necessariamente estava sempre sob o meu guarda-chuva. Mas a gente tinha uma história de dois anos. Em determinado momento, uma pessoa da família dela interceptou uma mensagem minha. E ela, para se defender, disse que eu a estava assediando. Mas nós tínhamos um caso. Essa história durou dois anos e eu me separei no final do ano, no outro ano eu estava separado e ela continuava casada. E aí, ajudava mais ainda, porque eu estava separado e a gente podia se encontrar. Teve um momento, por exemplo, que ela vinha aqui em casa de Uber e as confirmações das corridas ela não reparou que iam para o email do marido dela. E aí ela foi cobrada na família: o que ela fazia tanto na minha casa? E a resposta que ela deu foi que eu a obrigava a trabalhar na minha casa, que eu estava apaixonado por ela... Só que isso tudo eu não sabia. Só fui saber anos depois, ela engravidou do marido e nosso caso acabou. Ela foi fazer a segunda temporada de uma série que ela tinha escrito. Só que pessoas da família dela que trabalham na Globo, levaram isso até a direção da Globo e foi aí que nasceu o Marcius assediador. Nasceu dessa relação que a gente teve durante dois anos e que ela, para escapar... Só que viram a gente passeando de carro, viram ela me dando carona, juntos nos cantos... E ela dizia que eu estava assediando e ela não correspondia. Depois, criou-se uma narrativa que ela saiu da minha equipe por causa dos meus assédios. E foi nesse minuto que eu virei assediador.

Só para dizer um pouco da complexidade das coisas. Tem uma outra atriz que apareceu no compliance, essa eu sei quem é, que falava que eu escrevia cenas só para beijá-la na boca. Durante os anos que nós trabalhamos juntos eu era redator final. Então escrevi enquanto ela trabalhou comigo em uns 80 programas, com mais ou menos sete cenas cada. Para a atriz então a gente poderia ter feito umas 560 cenas em que a gente se beijou. Só que a gente se beijou em uma cena. E mais: a gente só ficou uma vez, em uma festa em 2015, quando ela já tinha sido avisada da demissão dela. A gente foi nessa festa e foi a única vez que nós nos relacionamos. Demos uns beijos saindo de uma festa. E depois, em 2017, ela me mandou mensagem dizendo que eu estava muito bonito no Altas Horas. Em 2018 ela disse que sonhou comigo e estava com muita saudade, que tinha passado o dia pensando em mim, dizendo "Cacete, a gente ainda vai se cruzar. Que saudade de você". E em 2020 ela apareceu na Globo dizendo que eu assediava ela.

Então, eu estou dizendo que tem gente que entrou na onda. Não estou dizendo que todas as pessoas que estão ali são mentirosas, mas que o caso é muito complexo. Com certeza tem gente que eu magoei, que se sentiu assediado, mas também tem gente querendo ganhar espaço e poder em uma empresa que está demitindo e tem gente entrando na onda. E eu virei um símbolo de alguma coisa que tem que morrer. Então esse movimento, ele foi ganhando força e as pessoas acreditam nessa narrativa. Agora vocês podem achar que eu estou inventando tudo isso, mas eu estou dizendo que tenho prova do que eu estou falando. Por isso, infelizmente eu tenho que interpelar a Calabresa, tenho que processar essa advogada para que na Justiça tudo seja esclarecido. Porque é a Justiça que tem que dar minha pena, não quem me acusa. E se a Justiça julgar que eu tenho responsabilidade sobre alguma coisa, eu vou aceitar.

Adnet, Faria, Melhem - Divulgação - Divulgação
Marcelo Adnet, Mauricio Farias e Marcius Melhem apresentam a 3ª temporada de "Tá no Ar"
Imagem: Divulgação

UOL: O humorista Marcelo Adnet e o diretor Mauricio Farias, com quem você trabalhou muito de perto, assinam o email enviado à direção da Globo pedindo a criação de "um ambiente de trabalho saudável, transparente e digno para todas e todos". Como você viu o nome deles neste movimento?

Melhem: Olha, do jeito que a coisa foi colocada, eu também assinaria. Quem não quer um ambiente de trabalho digno, que tudo seja apurado? Agora, eu prefiro não personalizar, entendeu? Não quero ficar analisando a atitude do Adnet e do Mauricio Farias. Agora, o que eu também quero dizer é que essa mesma matéria da Piauí mostra uma outra carta que não foi aprovada, que me citava nominalmente. A primeira versão da carta, que falava de assédio, disso e daquilo, está na matéria que as pessoas não quiseram assinar. Então é natural... O movimento é legítimo, a causa feminista é legítima, a luta é legítima. Eu só não quero ser símbolo. Não quero ser uma pessoa julgada e condenada pela opinião pública como símbolo dessa luta e sem direito a defesa. Eu não quero ser símbolo de nada. Eu quero me responsabilizar pelos meus erros, pelo que eu fiz. E eu estou disposto, de peito aberto e não nego nada que aparecer que eu tenha feito. Agora, me chamar de violento, não dá.

UOL: No processo que correu no compliance da Globo você citou já umas pessoas que foram lá e você tem informações de coisas que aconteceram, além do contato que você teve diretamente. Foi um processo que correu sob sigilo e até hoje não foi divulgado. Você poderia falar um pouco do que foi que saiu desse compliance?

Melhem: A gente não recebe um relato do final do compliance. Ele corre em sigilo. Como é que corre o compliance? Eu não sei nem quem me denunciou, não posso saber. Eu começo a adivinhar, como te falei, pela narrativa. "Ela disse que você escrevia cenas para beijá-la...". Aí eu sei quem pode ter dito isso. A identidade da pessoa é totalmente preservada e a investigação corre muito mais ao redor de você do que em cima de você. Então entrevistam dezenas de pessoas e te ouvem também a respeito dessa investigação.

O compliance não decide o que acontece com você. O compliance tem uma espécie de recomendação, de uma conclusão que é encaminhada a um comitê de ética da empresa, que eu também não sei quem faz parte e ninguém sabe. Esse comitê toma as decisões que deve ou não deve tomar. Essa volta do comitê de ética, eu nunca tive, porque quando voltei de Boston, já voltei decidido a resolver minha situação com a TV Globo e entender até onde o meu projeto ainda era útil para a TV Globo. Eu estava com muitas questões pessoais. Aí eu sentei com a TV Globo para resolver e nós resolvemos rapidamente, que era hora de interromper o projeto...

UOL: Você falou sobre ter misturado relações profissionais com pessoais. Como chefe, o que você identifica como erros? O que podemos dizer que caracteriza como assédio moral vindo de várias pessoas que te denunciaram?

Melhem: Cara, por incrível que pareça, isso é a parte mais... Eu sempre fui muito sincero e educado com todo mundo. O assédio moral é o terreno mais subjetivo que existe. Porque você pode falar sinceramente uma coisa para alguém, que o texto está ruim, e a pessoa achar que isso é uma ofensa, é uma forma errada de dizer. Eu não sei o que eu posso ter falado que traduza como assédio moral. Não sei de verdade, de coração.

Deixa eu dizer uma coisa para vocês, Mauricio e Dolores: é muito louco, senão parece um surto coletivo acontecendo mesmo. Eu fiquei 17 anos naquela empresa. E a gente não fica 17 anos solto na empresa. Poucas pessoas sabem que a gente é avaliada, que os funcionários que estão embaixo do seu guarda-chuva avaliam você anonimamente. A DAA [área de Desenvolvimento e Acompanhamento Artístico] entrevista cada pessoa para saber como é a sua chefia. Durante os anos que eu estive lá, vi vários chefes passarem por treinamentos para condutas de assédio moral e coisas desse tipo eu nunca passei. Nunca eu tive uma queixa de assédio moral, nunca. E não é porque eu coagia pessoas, silenciava. Eu trabalhava em esquema de assembleia. Isso tem milhões de testemunhas também.

Só porque quando a imprensa diz que "ele tinha o poder de acabar com a carreira das pessoas e tal...", "de não colocar nesse ou naquele programa", "de não escalar"...Todos os meus programas tinham comitê de escalação. Tinham pessoas responsáveis pela escalação e se reportavam aos redatores finais, não a mim. Eu não me metia em escalação. Se você entrevistar os redatores finais - e eles não vão falar por questões internas da empresa - eles sabem que jamais eu tentei boicotar nenhuma pessoa em 17 anos de empresa. Outra coisa: pessoas que entravam e saiam dos programas, isso era feito em assembleia, com os redatores e diretores dos programas.

Quando o Maurício Farias e eu sentávamos, discutíamos e votávamos sobre quem ficaria e quem sairia do programa. Tudo era discutido em assembleia. Os testes para autores e roteiristas era um teste às cegas no "Zorra". Eu tive muitos amigos que não passaram. A gente montava uma banca e mandávamos os melhores textos sem o nome dos autores. E ganhavam mesmo os melhores. Vou cometer uma inconfidência aqui, mas a minha ex-mulher, uma excelente autora, minha amiga, não passou. E eu estava lá, tudo decidido em assembleia! Então dizer que eu era esse chefe, que...

UOL: Que usava o poder para humilhar.

Melhem: Humilhar? Isso nunca aconteceu. Quero que me contem um caso de humilhação, que eu peguei alguém no set e humilhei. Isso não existe. Agora, repito: alguém pode ter se sentindo ofendido em alguma situação? No calor da discussão eu posso ter passado do limite? Claro que posso. São 17 anos de empresa, a gente está ali discutindo com programa no ar toda semana. Às vezes as coisas se dão de um jeito...

Por exemplo, recebi uma mensagem de um editor, que trabalha comigo esses anos todos, um querido, querido, querido editor. Era uma mensagem muito carinhosa de aniversário e ele me falou em determinado momento: "pô, eu suava para trabalhar com você, porque você cobrava muito!". E eu não me via assim. "Caramba, eu cobrava?". Mas ele me disse que nunca aprendeu tanto.

Para mim era tudo muito sincero, mas é óbvio que eu não julgo sentimento de ninguém, Maurício. As pessoas podem sentir assediadas moralmente, sexualmente, podem ter me achado inconveniente, que passei do ponto. É lamentável, eu fico mortificado. Porque para mim eu estava vivendo um clima de amizade, de liberdade, de intimidade, de crescimento. Para mim, a gente estava construindo algo lindo ali, que rendeu tanta coisa legal para todo mundo. Essa semana foi nosso último churrasco geral. As pessoas ficam me mandando mensagens sobre esse nosso último encontro, "pô a gente era muito feliz ali"... É importante falar isso também porque senão parece que está todo mundo contra mim... Tem dezenas de pessoas que me escrevem, mandam mensagens dizendo que confiam em mim, que estão ao meu lado. Que viram coisas e que só não pode se manifestar.

Mayra Cotta  - Reprodução - Reprodução
A advogada Mayra Cotta dá entrevista ao UOL
Imagem: Reprodução

UOL: Universa entrevistou a ativista Manoela Miklos e a advogada Mayra Cotta nesta sexta-feira. Manoela relatou: "No momento em que Melhem soube que Dani tinha levado o caso à direção da empresa, ele começou uma campanha de intimidação fortíssima. Do tipo: a Dani bebe, ela não lembra, ela toma remédio. Ele fez uma campanha de 'a Dani é louca'". A Dani foi prejudicada por você? Essa campanha de difamação aconteceu?

Melhem: Não. E eu agradeço a sua pergunta, Dolores. A Dani é uma pessoa que esses anos eu tratei com muito carinho, com extremo carinho. E muita gente viu isso. E o meu cuidado e o meu carinho vai além, e talvez seja esse meu erro. Eu sempre fui um chefe que, se a pessoa não está bem, homem ou mulher, para não parecer que eu trato assim só porque é mulher, se a pessoa está hospitalizada, se uma pessoa está com parente hospitalizado, um filho, eu ligo para a pessoa, ligo para o hospital. Eu aciono, eu tento criar um ambiente que seja humano.

Jamais fiz isso de dizer "a Dani está louca!". A Dani toma remédio? O relato da Piauí é que a Dani está traumatizada comigo, com dificuldade de passar o crachá na Globo, desde 2017 naquela festa. Em 2019, a Dani me procurou, veja bem, ela me procurou. Ela podia procurar a direção da empresa, a direção do programa, que tem três diretores, o Zorra. Mas ela me procurou para dizer, nessas palavras, que não estava feliz. A gente estava gravando no Rio, na segunda, e às vezes ficava terça, quarta, quinta sem gravar e só gravava na sexta. E os amigos dela e a família dela eram de São Paulo e que isso estava entristecendo ela, que ficava muito sozinha no Rio. Se eu não podia fazer alguma coisa. Isso não é exatamente algo no campo profissional, mas é do campo humano. Eu imediatamente reuni a direção do programa, os redatores-finais, a produção do programa, eu estou falando aí de umas 12 pessoas. Falei: "Eu não quero Dani infeliz. Se ela está dizendo que não está feliz ficando no Rio, Dani vai passar a partir de hoje a ter dias fixos de gravação". Eu ouvi das pessoas: "Ah, mas isso é privilégio. Você está criando um monstro. Ela não pode, como é que a gente justifica isso para os outros atores?".

A pessoa está me dizendo que não está feliz, se ela está feliz eu não vou deixar você infeliz no Rio de Janeiro e ela vai ter dias certos de gravação. E ela teve e me agradeceu! A nossa relação seguiu normal, até a gente ter nosso desentendimento profissional, em maio. Mas em junho, após a gente gravar a Escolinha do Professor Raimundo, ela me mandou mensagem elogiando o Seu Boneco, personagem que eu fazia, que estava muito bom e me agradecendo pelo chefe que eu era. Que ela era muito feliz e era muito por minha causa.

UOL: Esse desentendimento profissional foi por causa do programa Fora de Hora, certo?

Melhem: Foi.

UOL: A informação que a Piauí apurou é que a Dani queria refazer o Furo MTV com o Bento Ribeiro e isso não foi aprovado. E isso teria causado uma reação dela. O que você lembra desse episódio?

Melhem: Eu não queria falar desse episódio aqui porque ele expõe muito. E eu não quero porque... Mas o que eu posso dizer é que aquela narrativa da revista Piauí está toda errada. Completamente modificada. Que foi prometido a ela que apresentaria o programa com o Bento, o que não é verdade. Que ela apresentaria sozinha, o que não é verdade. Era uma noite que tinha 20 pessoas aqui.

Então, assim, tem coisas que eu leio e penso: "meu Deus, como?". Não tem como dizer que não tem maldade nessa história. Tem maldade nesta história. Eu repito: tudo isso está acontecendo porque eu cometi erros, mesmo as maldades. Se eu não tivesse dado margem para ser esse cara que tem esse telhado de vidro, de ter me relacionado com pessoas do trabalho, de ter flertado, de ter ficado como o cara que se relaciona com pessoas no ambiente de trabalho que estão abaixo dele e que isso pode significar assédio, esse telhado de vidro está elevando à décima quinta potência coisas que eu nunca fiz.

E tudo o que eu estou falando aqui para vocês, eu tenho prova de tudo, e testemunhas de tudo. E eu lamento muito que isso tenha chegado a esse nível. Queria muito encontrar essas pessoas pessoalmente, eu sei que isso é um devaneio. Não tenho nenhum um ódio de nenhuma das pessoas, mesmo da Dani Calabresa. Ela nunca confirmou ou negou essas acusações, por isso que estou interpelando ela: para que confirme ou negue essas coisas que estão botando na boca dela que eu teria feito. Eu fui colocado como um cara violento, que perseguiu, que intimidou. Mas quem eu persegui? Quem eu calei? Quem eu prejudiquei? Eu era o único diretor de gênero que no final do ano reunia a equipe, um por um, e perguntava: tá feliz? Quer continuar no que vem? Ninguém era obrigado a ficar no departamento.

Eu tinha um mantra para quando a produtora de elenco ou diretor me ligavam, quando queriam uma pessoa na novela, eu perguntava: "é bom para para pessoa? Ela quer? Se ela quiser, ela pode ir". Eu briguei para sair dos lugares que eu não estava feliz, eu vou prender a pessoa? Ninguém que trabalhou comigo esses anos todos foi impedindo de sair. Quando o Diogo Vilela entrou no Zorra esse ano, eu tinha uma combinação com os atores sobre teatro, tá? Para ser justo com todo mundo. Quando o Diogo entrou, veio me dizer que tinha umas datas de teatro. Aí eu falei: "É complicado para mim, não posso contratar você então, significaria um privilégio". Então eu reuni a equipe e perguntei: "O Diogo tem um problema com datas de teatro. E eu só vou contratá-lo se todos vocês aqui acharem que tudo bem ele ter esse privilégio. Fiquem à vontade para não topar". E todo mundo levou numa boa, o Diogo veio.

UOL: Eu queria fazer uma última pergunta, porque para mim não ficou claro alguns pontos. Você falou que cometeu erros, que se envolveu com mulheres dentro da equipe. Mas se envolver com pessoas do trabalho, mesmo sendo chefe, não é um erro, desde que haja consentimento. Então que erros são esses, que você está disposto a reconhecer? Queria que você fosse mais específico.

Melhem: Hoje eu acho que mesmo com consentimento eu não deveria ter me envolvido. Eu tenho duas amigas, uma me mandou uma palestra sobre Joseph Campbell e outra me mandou um episódio de uma série, chamada "Girls", que explicam como funciona a cabeça de uma mulher em uma relação dentro do ambiente de trabalho. E aquilo foi uma iluminação para mim. Eu fiquei uma semana falando sobre isso na minha análise. Eu me achei inconsequente, não tinha dimensão do que é se relacionar com uma pessoa abaixo de você. Às vezes, a admiração que ela tem por você não é exatamente como homem, é como profissional que você é. Misturar isso é perigoso.

Eu não tive nenhuma relação com ninguém de maldade, que é o que se tentou colocar ali. Teve um texto também, que vou tentar falar dele sem chorar, porque toda vez que falo desse texto... É de uma mulher que escreveu aos homens acusados de abuso. "Nós mulheres falamos muito entre nós, mulheres. E eu quero falar aos homens. É muito difícil para um homem ser acusado de abuso e assumir que em algum momento pode ter sido abusivo. Porque a gente acha que pessoas abusivas são pessoas más. Mas a maioria das pessoas que cometem abusos são pessoas boas, que fizeram coisas ruins. E pessoas boas fazem coisas ruins. E você não é o que você fez". E outra que ela falou é: "Sem querer também dói".

E eu me vi nisso. Muitas vezes eu não tive empatia com mulheres que magoei, no campo pessoal estou dizendo. Porque não tive a intenção de machucar, mas machucou. E então eu preciso olhar para isso e falar: "eu estou errado". Mesmo sem a intenção. Mas isso é um aprendizado diário, que eu estou tendo e agradeço aos meus amigos. Porque agora, apesar de toda a pressão que eu estou vivendo, porque, olha, vocês não sabem a pressão que é se relacionar comigo nesse momento. Mulheres, queridas amigas, que não me cancelaram, que me mandam coisas, que não vão me cancelar, que acreditam que eu posso melhorar. "Eu não quero te cancelar". É uma dureza, mas existem dezenas de pessoas que acreditam em mim.

Espero que as pessoas olhem ainda para o ser humano e... Porque eu sempre fui contra a cultura do cancelamento, desde que eu não estava nessa posição. Que as pessoas olhem e acreditem que eu possa evoluir e melhorar. E seguir. As vítimas e eu. Se essas supostas vítimas e eu, se nós formos à Justiça, todos, e lá ficar provado qual é a responsabilidade de cada um, eu vou acatar a minha. E quero seguir minha vida, por isso é importante que isso seja judicializado. Porque eu não posso viver nesse horror sem fim, esperando a próxima matéria, o próximo off, a próxima acusação sem rosto, sem prova, sem nada. Eu preciso saber o que eu fiz e poder me defender. E pedir que eu tenha a segunda chance de dizer que cresci, que aprendi, que nunca mais vou ferir ninguém nesse lugar.

UOL: Isso seria um encerramento, mas eu queria acrescentar um ponto e isso não é nenhuma pegadinha. Essa entrevista está sendo gravada na sexta-feira, dia 4, já no final da tarde. A Dani Calabresa postou agora há pouco no Instagram uma mensagem, que ela não responde a pergunta que você disse que vai querer fazer, a interpelando na Justiça. Mas eu vou ler a mensagem para o caso de você querer comentar. Ela escreveu: "Nunca quis ser vista como uma mulher assediada. Mas para recuperar minha saúde precisei me defender. Nunca procurei a imprensa. Tomei as medidas cabíveis para conseguir ajuda. Tudo é muito difícil, dá medo, vergonha, mas temos que lutar por respeito e justiça. Não passarão. Assédio é crime!"

Melhem: Não tenho o que comentar sobre isso. O que eu tinha para comentar já falei. Não é pelo Instagram que a gente vai definir responsabilidades. Eu e ela sabemos como era nossa relação. Assim como, com certeza, ela tem tudo o que nós trocamos esse tempo todo, como era nossa relação antes e depois daquela festa, eu também tenho. Mas não estou dizendo isso em tom de ameaça, não. Eu tenho profundo respeito pela Dani Calabresa, não tenho nenhum ódio dela, eu acho ela uma excelente comediante. Tive muito prazer de trabalhar com ela todos esses anos, sem nenhuma crise. Lamento muito que tenha chegado nesse ponto, mas é importante que nós dois vamos até a Justiça, para que lá tudo fique esclarecido e a responsabilidade seja devidamente colocada. É só o que eu posso dizer. Mas eu não tenho raiva nem dela, nem de ninguém. Trabalhei muito para não ter raiva de ninguém, porque eu não quero duvidar da dor de ninguém e não quero ficar nessa posição.

Siga a coluna no Facebook e no Twitter.