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Marcelle Carvalho

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sem Gilberto Braga, ficamos órfãos do bom texto, dos vilões bem construídos

Colunista do UOL

27/10/2021 04h29

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Minha mãe foi a grande incentivadora desse meu lado noveleira raiz. Dona Lourdes não perdia um folhetim. Sentava na frente da TV às 18h e só saía quando subiam os créditos da trama das 20h (sim, há alguns anos, as histórias do horário nobre eram mesmo às oito da noite). E quando era uma novela de Gilberto Braga, ela sabia que vinha coisa boa. Afinal, já tinha sido fisgada pelo autor em "Escrava Isaura" (1976), primeiro sucesso dele. Ai de quem ousasse falar durante a exibição de sua trama. Sem dúvida, ela lamentaria demais a morte de Braga, aos 75 anos, na noite de ontem (26), no Rio de Janeiro.

Não só ela como todos nós que apreciamos o bom folhetim. Perder Gilberto Braga, um dos novelistas mais importantes da teledramaturgia brasileira, é se sentir meio órfão do bom texto, dos vilões bem construídos, da ácida crítica social. Como é atemporal "Vale Tudo" (1988), minha gente! Qualquer época em que ela seja reprisada, a sensação é de que foi escrita no período de sua exibição. E o que dizer de "Dancin' Days (1978)? A história mexeu com a moda, disparou a febre das discotecas, e explodiu na audiência.

As minisséries também fazem parte do patrimônio deixando pelo grande autor. A gente suspira até hoje com "Anos Dourados" (1986), que trazia a repressão sexual como pano de fundo de uma história de amor. E revive os anos de chumbo no Brasil com "Anos Rebeldes" (1992). Um olhar bem atento do autor para momentos distintos, porém, significativos da sociedade brasileira.

Vilania com toque de elegância

Com maestria, Braga deixou o legado dos vilões mais adorados e odiados da TV. Desenhava essa categoria com esmero, muitas vezes, eram bem melhores que os mocinhos. Sim, porque o autor gostava de ser maniqueísta. Como fazia muito bem, não deixava com que ficassem chatos ou caricatos. Ah, e uma característica era bem forte nesses personagens: a maioria era trabalhada na elegância, com muito dinheiro no bolso e preconceitos explícitos.

Lembro da minha mãe, quando falava de "Escrava Isaura", dizendo que "Leôncio (Rubens de Falco) era o cão". E ela tinha toda razão. Yolanda Pratini (Joana Fomm), em "Dancin' Days", foi capaz das piores artimanhas para prejudicar a irmã, Júlia (Sonia Braga). Então, chegam, a minhas favoritas: Odete Roitman (Beatriz Segal) e Maria de Fátima (Gloria Pires), em "Vale Tudo". Há cenas envolvendo as personagens que ficaram para a história da teledramaturgia. E ainda teve Felipe Barreto (Antonio Fagundes), o médico de "O Dono do Mundo" (1992), que seduziu a virgem Márcia (Malu Mader), em sua lua de mel, com o marido, Walter (Tadeu Aguiar), e depois a descartou. Maldade pouca é bobagem.

Braga ainda faria uma crítica social forte em "Celebridade" (2004), sobre a busca incansável pela fama. E deu a Claudia Abreu o papel da vilã Laura. Não dá para esquecer a parceria com Márcio Garcia, na pele de Marcos, em que se chamavam carinhosamente de Cachorra e Michê. Era muita maldade contra Maria Clara Diniz (Malu Mader), mas o autor conduziu tão bem os passos dos dois, que eram queridos pelo público. E depois que Laura se junta a Renato Mendes (Fábio Assunção), a dupla ficou imbatível.

Três anos depois, o novelista traz quem? Bebel e Olavo, o casal mais deliciosamente incorreto de "Paraíso Tropical" (2007). Braga foi um arquiteto e tanto na construção dos personagens de Camila Pitanga e Wagner Moura, que brincavam com o texto do autor. Não à toa, viraram os queridinhos do público na ocasião.

Sua última novela, "Babilônia" (2015), infelizmente, não brilhou tanto como as antigas. Mas nem por isso, ofuscou a trajetória de Braga. Seu nome será sempre sinônimo de qualidade. O legado dele está aí para todo mundo ver e aplaudir.