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Marcelle Carvalho

REPORTAGEM

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Chico Pinheiro recorda Dorival Caymmi em especial: 'Tinha medo do mar'

O jornalista Chico Pinheiro entrevista o cantor Dorival Caymmi, em 2000, para GloboNews - Reprodução
O jornalista Chico Pinheiro entrevista o cantor Dorival Caymmi, em 2000, para GloboNews Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

26/07/2021 12h00

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Ouvindo as belas canções de Dorival Caymmi, como "O Bem do Mar", "É Doce Morrer no Mar" e "Suíte dos Pescadores" (também conhecida como "Canção da Partida"), sempre acreditei na intimidade do cantor com o mar e a lida daqueles que tiram o sustento de suas águas. Até ver a conversa do jornalista Chico Pinheiro com o artista, em 2000, quando o baiano revelou seu grande temor pelo oceano. Na ocasião, ele estava lançando sete CDs e um livreto intitulado "Caymmi Amor e Mar". O papo dos dois, que foi ar ar, na época, pela GloboNews, será reexibido pelo Globoplay, nesta segunda-feira, na série de entrevistas icônicas do canal de notícias para celebrar os seus 25 anos - comemorados em outubro.

Eu o indagava a respeito da sua intimidade com o mar e o universo cultural dos pescadores. Perguntei se ele já havia estado em uma pescaria acompanhando aqueles homens simples e corajosos de sua terra. Perguntei se ele já havia estado no mar a bordo de uma jangada. Ele riu muito e disse que jamais esteve em situação assim. Confessou ter muito medo do mar e muito respeito diante desse mundo misterioso", relembra Pinheiro.

Como assim, minha gente?

O jornalista, surpreso, também quis saber como ele sabia traduzir em sua obra, de maneira tão profunda, a alma do pescador.

Ele contou que perdeu a conta de quantas vezes acordou no escuro da madrugada para ir à praia de Itapuã, observar o movimento dos pescadores que chegavam de suas aventuras no trabalho. Que sentiu a ansiedade de mulheres à espera de maridos que custavam voltar. A alegria nos barcos que voltavam repletos de peixes... Disse que havia uma pedra na qual ele se sentava e observava tudo. Foi então que eu disse: 'Você, como os contemplativos das religiões, monges e eremitas, consegue sentir e traduzir em forma de música e poesia, a vida dos que estão à sua frente. Ele adorou ser traduzido assim", diz Pinheiro, que não esquece também o momento em que recebeu, das mãos do baiano, a caixa dos CDs, com o livreto "que ele autografou com muita dificuldade, pelo tremor das mãos idosas."

'Gênio da raça'

Não é raro a gente ver artistas que começaram ontem já se achando 'a última bolacha do pacote'. O jornalista recorda de ter se impressionado também com a simplicidade, paciência e gentileza daquele grande artista em responder todas as suas perguntas. E da sua necessidade em querer deixar explícita a importância desse mestre da música brasileira.

Todas as perguntas pareciam insuficientes para reportar e revelar aquele grande artista. Eu tinha um montão de perguntas na cabeça e todas eram importantes. Mas o tempo era limitado. Queria que ele falasse, que ele cantasse. Queria que as pessoas descobrissem porque eu sabia estar diante de um gigante da música brasileira e mundial", afirma Pinheiro.

E só um gigante poderia como ninguém exaltar as belezas de sua Bahia, mostrar o que é que as baianas e baianos têm e ainda deixar a gente mole com o samba da sua terra.

Era o "gênio da raça", como classificou uma vez João Gilberto. Ele traduziu a Bahia e por meio de sua terra, torna sua obra universal. Com sua música, nos revelou a Bahia, a baiana e os baianos e nos fez mais brasileiros. Modernizou a música popular com seu estilo muito peculiar, bem distinto de tudo o que se fazia na época. Se nossa língua fosse mais acessível a outros países, se a obra dele fosse divulgada em todo o mundo, não tenho dúvida de que teria recebido todos os prêmios internacionais de música", acredita o jornalista.