A PerifaCon e o direito a cultura na própria quebrada
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Em 2019, no Capão Redondo em São Paulo, eu estive na primeira PerifaCon e aquele dia mudou minha vida. Não é exagero, não. Muita das coisas que eu hoje escrevo, crio e faço começaram a tomar forma ali, quando entrei naquele evento e comecei a perceber que tinham pessoas ali doidas para consumir cultura pop e de fazer parte de fandoms e que simplesmente não eram vistas pelo sistema. Mas principalmente, o que mais me pegou foi ver essa galera vestida de Homem Aranha, Batman e Princesas da Disney e a gente do audiovisual não ter dado opções de personagens para eles sonharem ser.
A quinta edição da PerifaCon acabou de rolar nos dias 25 e 26 de outubro na Fábrica de Cultura Jardim São Luís, e olha, o bagulho foi gigante. Eu tava lá e posso confirmar. Mais de 6 mil ingressos gratuitos retirados antes mesmo do evento começar.
Foram 170 artistas no Beco dos Artistas, painéis com Jovem Nerd, Podpah, Diva Depressão, mais de 50 estúdios de games, e o evento gerou mais de mil empregos diretos e indiretos. Desde a primeira edição, que reuniu 4 mil pessoas no Capão, passando pelas 10 mil da segunda na Brasilândia e chegando agora nessa quinta com números ainda maiores, a PerifaCon provou uma coisa: a periferia sempre quis esse espaço e estava apenas esperando alguém criar ele.
Precisou alguém da periferia fazer esse evento acontecer para muita gente entender que aquele universo que sempre pareceu distante, que sempre acontecia no centro expandido de São Paulo, com ingressos que custam um rim, de repente tá ali, na quebrada, de graça, te esperando.
E aqui entra um lance que pouca gente fala: o papel das Fábricas de Cultura nessa história toda.
Esses equipamentos públicos espalhados pelas beiradas de São Paulo - Brasilândia, Capão Redondo, Jardim São Luís, Vila Nova Cachoeirinha - não são só prédios bonitos. São pontos de resistência cultural onde uma galerinha aprende teatro, dança, música, circo, artes visuais, tudo de graça.
A gente vive numa cidade onde 63% da população mora na periferia, mas os grandes eventos culturais acontecem nos bairros com maior poder aquisitivo. Cinema, teatro, museu, convenção nerd - tudo concentrado ali no miolo, bem longe da maioria. E aí a gente naturaliza isso, como se cultura fosse algo que a periferia vai consumir quando puder pagar passagem, ingresso, lanche, roupa nova pra ir apresentável.
Mas a PerifaCon virou essa lógica do avesso.
Como disse Andreza Delgado, uma das fundadoras, "a PerifaCon, da forma como foi idealizada, só faz sentido na periferia". E faz sentido por um motivo simples: não é sobre levar cultura pra periferia. É sobre criar cultura NA periferia, COM a periferia, PRA periferia. É sobre reconhecer que aqui também tem talento, tem criatividade, tem cosplayer f*da, tem quadrinista genial, tem gamer que manda bala.
Eu vejo na PerifaCon o mesmo princípio das Fábricas de Cultura: descentralizar o acesso. Porque quando você põe um evento gigante, gratuito, cheio de oportunidades profissionais, tipo o Perifa Emprega que oferece palestras sobre IA e carreiras, dentro da quebrada, você tá dizendo uma coisa muito simples mas revolucionária: vocês também têm direito de estar aqui. Não precisa atravessar a cidade. Não precisa juntar grana. Não precisa se sentir fora do lugar.
Eu fiz parte do Perifa Emprega desse ano e as conversas que eu tive com a galera que eu mentoriei foram riquíssimas para mim. Torço que para eles também.
A criação de público não é sobre números. É sobre pertencimento.
O problema de concentrar cultura num único lugar é que a gente cria um público homogêneo, que vê o mundo de um jeito só, que consome as mesmas histórias, que acha que o centro do universo é ali. Mas quando você espalha cultura, quando você leva evento pra Zona Sul, Zona Leste, Zona Norte, você cria novos públicos com novos olhares. E mais importante: você cria novos criadores.
É por isso que a PerifaCon não é só uma convenção nerd. É um movimento político de ocupação cultural. É sobre dizer que cultura não é privilégio de quem mora perto do metrô e tem cartão de crédito. É sobre criar um circuito cultural que funcione pra todo mundo, onde quer que a pessoa esteja.
E olha, não é papo de hippie não. É estratégia mesmo. Porque quando você democratiza o acesso, você multiplica as possibilidades. Você deixa de ter só um tipo de história sendo contada e passa a ter mil. Você deixa de ter só um tipo de herói e passa a ter todos. E isso, no fim das contas, é o que faz a cultura crescer de verdade.
As Fábricas de Cultura e a PerifaCon provam que quando você dá estrutura, espaço e oportunidade, a periferia entrega. Sempre entregou. Só estava esperando alguém abrir a porta.
Então fica aqui meu convite: na próxima edição, cola lá. Mesmo que você não seja da quebrada, mesmo que você ache que já viu todas as convenções nerds desse mundo. Porque a PerifaCon te mostra uma coisa que você talvez nunca tenha visto: a cultura pop quando ela é realmente de todo mundo.





























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