M. M. Izidoro

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Opinião

Com uma canção, também se luta, irmão

Domingo passado, mais de 40 mil pessoas ocuparam Copacabana para ouvir Caetano, Gil, Chico e Djavan contra a PEC da Blindagem. Em Brasília, Djonga cantava "Olho de Tigre" com "Fogo nos racistas". Já em São Paulo, Thalma de Freitas cantava "Cordeiro de Nanã" para jogar axé para todos que estavam na frente do MASP.

O que rolou não foi apenas protesto. Foi demonstração de como a cultura é a ferramenta mais poderosa para criar narrativa nacional.

Não por acaso, tanto esquerda quanto direita correram atrás de artistas. Todo mundo sabe: quem conta a história melhor, vence.

Quando Caetano chama a PEC de "PEC da Bandidagem", traduz em linguagem popular uma proposta complexa. Do outro lado, Gusttavo Lima visitando Bolsonaro no Alvorada e hoje anunciando candidatura própria mostra como o sertanejo vira porta-voz da direita rural.

Mas a coisa é mais sutil.

Observe como o trap da periferia canta ostentação e prosperidade em lugares que se sentem abandonados pelo Estado.

"Cash, cash", gritam os moleques, reproduzindo valores liberais através da música. A cultura não só resiste - ela também propaga ideologias econômicas e políticas pelo som.

A cultura é onde aprendemos e fortalecemos os conceitos que nos fazem ser quem somos. Por isso ela é sempre atacada em movimentos autocráticos. Porque nos faz sentir. Não importa para qual lado.

Hitler queimou livros. Stalin censurou artistas. Vários políticos do norte global estão atacando e censurando programas de televisão e artistas que não gostam.

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Eles fazem isso, porque sabem que uma canção bem cantada move mais gente que vários de seus discursos políticos.

A cultura cria memória, projeta futuro e, principalmente, constrói identidade coletiva.

O que vi domingo foi gente se encontrando através da música. Quando milhares cantam juntas, não estão apenas se divertindo - estão criando senso de comunidade. Lembrando que fazem parte de algo maior.

Isso pode ser para se identificar através de bota e chapéu de couro ou juntos contra um dos maiores ataques que o congresso já tentou fazer contra a democracia brasileira na história.

A cultura brasileira sempre transformou dor em festa, revolta em samba. Faz da rua palco e do protesto celebração. Quando a política divide, a cultura une.

Por isso que investir em cultura não é luxo, mas estratégia de sobrevivência e soberania nacional. Uma sociedade que não valoriza seus artistas está condenada a repetir sempre as mesmas histórias fracassadas, pois a arte é onde a gente encontra as respostas para as perguntas que a gente nem sabia que a gente tinha.

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No Brasil, a resistência sempre teve música, festa e arte. Enquanto houver cultura brasileira, haverá esperança de dias melhores.

Pois como cantou um dia Wilson Simonal, "com uma canção, também se luta, irmão."

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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