Por que desejamos mais visitar Paris e Londres do que Caruaru?

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Escrevo essa coluna olhando o mar de Aracaju depois de passar 10 dias explorando o Nordeste brasileiro. Mas não qualquer Nordeste, eu vim em busca das festas de São João. Das festas gigantes como Caruaru, em Pernambuco, como as pequenas nas margens do São Francisco, em Alagoas, e as de capitais como a de Aracaju.
No caminho, encontrei alguns poucos amigos do Sudeste. Eles, da área da publicidade, dizendo que estavam ali com seus clientes para entender como "falar com aquele público".
Isso me lembrou conversas rotineiras que tenho com amigos que passam temporadas em Paris, Londres ou Madri. Seus olhos brilham quando falam sobre os museus que visitaram, os cinemas de arte que frequentaram e como aquilo tudo mudou suas perspectivas criativa.
Acho lindo demais ouvir aquilo. Mas também me bate uma inquietação quando me dizem que nunca foram a um São João no interior de Pernambuco, ou não sabem quem é o Flávio José.

Temos uma relação estranha com nossa própria cultura. Parece que só validamos arte quando ela vem com carimbo europeu ou americano. Conhecemos mais sobre Basquiat do que sobre Abdias Nascimento. Sabemos citar Tarantino, mas nunca assistimos a um filme do Glauber Rocha.
E o mais doido: a galera que produz cultura nesse país —principalmente no eixo Sul-Sudeste, onde estão as grandes produtoras, editoras e gravadoras— muitas vezes conhece mais sobre a cena cultural de Berlim do que sobre o Festival de Parintins ou a Festa da Uva em Caxias do Sul (RS).
Como é que a gente vai contar histórias para o nosso povo sem conhecer nosso povo?
Não estou falando contra viajar pro exterior ou se inspirar em outras culturas. Pelo contrário, isso é maravilhoso e necessário. Mas como podemos criar arte que dialogue de verdade com o Brasil se não conhecemos o Brasil?
Um São João no sertão nordestino tem uma potência criativa que vai te ensinar mais sobre ritmo, cor e narrativa do que qualquer workshop em Nova York. Uma conversa com um artesão da Ilha do Ferro, em Alagoas, pode te dar insights sobre forma e função que nenhum museu europeu consegue.
O Brasil é gigante demais, diverso demais, rico demais para ser reduzido ao que conhecemos do nosso próprio quintal.

Vivenciar o Brasil e mostrá-lo em peças, filmes, músicas e livros é dar de volta pra gente o desejo de conhecer a nós mesmos, assim como desejamos o sonho americano ou o ver nossa história nos museus do colonizador. Tudo longe. Numa língua que não é nossa. Num ritmo que não dançamos. Numa relação que não faz tanto sentido assim.
Eu mesmo demorei para entender e desejar tudo isso. Mas, agora, desejo tudo isso tal qual jovens com seus Labubus e Bobby Goods. Pois uma vez que você experimenta isso aqui, não tem como não querer mais e mais.
Então fica aqui meu convite para quem produz cultura neste país: conheça o país. Vá onde seu público está. Escute as histórias que estão sendo contadas longe dos grandes centros. Sinta na pele as festas, os ritmos, os sabores e as dores de cada canto desse Brasil.
Só assim nossa arte vai conseguir falar a língua do nosso povo de verdade, e vamos fazer isso dançando e nos divertindo nas melhores festas do mundo.
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