M. M. Izidoro

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Opinião

Se o Brasil é sinônimo de felicidade, por que nossa arte anda tão triste?

Das minhas andanças pelo Brasil, uma das coisas que mais me marcou foi o quanto somos felizes. Tudo vira festa muito rápido. Olha o show que as torcidas brasileiras estão dando nos EUA na Copa do Mundo de Clubes. Esse é o espírito brasileiro pro mundo inteiro ver.

Esse é nosso soft power e não tem nação que se compare com a gente nisso. Mas quando falamos do audiovisual brasileiro, a história é completamente oposta.

Hoje, parece que só consumimos true crime enquanto fazemos jantar, documentários sobre serial killers antes de dormir, séries onde polícia e bandido ficam se destruindo e mutilando, músicas que falam de depressão no caminho do trabalho e noticiários que só mostram o mundo pegando fogo. Virou chique ser melancólico e profundo o tempo todo. Como se alegria fosse coisa de gente superficial.

Claudinho e Buchecha
Claudinho e Buchecha Imagem: Divulgação

Lembro de crescer ouvindo Claudinho e Buchecha gritando "só love, só love" no rádio. Os Trapalhões fazendo a gente rir de bobeira na Globo. É o Tchan fazendo todo mundo dançar sem vergonha na frente da TV. Paulo Gustavo nos ensinando que rir é resistir e que o humor pode curar até as feridas mais profundas. Os Originais do Samba botando todo mundo para rebolar no quintal. Onde foram parar essas coisas?

Eu entendo que o mundo está pesado. Entendo que há muito pelo que se indignar, chorar e lutar. Não que esses conteúdos sejam ruins —eles têm seu lugar e sua importância. Precisamos estar informados, precisamos encarar a realidade. Mas quando foi que paramos de equilibrar a balança?

Quando todo filme é uma crítica social. Quando toda música é dedo na ferida. Quando todo livro é um retrato fiel das dores de um grupo oprimido. Começamos a só ver isso em todo lugar. Seja no outro, seja em nós mesmos.

Quando transformamos consumir tristeza numa forma de estar conectado com os problemas do mundo, isso nos tira o escape de encarar o mundo de frente. Como se rir fosse trair a causa, como se dançar fosse ignorar a injustiça. Até como se amar e ser amado fossem nos deixar mais fracos.

A alegria não é superficialidade. Ela é resistência pura. É olhar para esse mundo pesado e escolher dançar mesmo assim. É escolher rir quando tudo parece sem graça. É encontrar motivos para celebrar a vida mesmo quando ela insiste em nos derrubar. É amar quando tudo que a gente vê é sobre nos odiar e nos separar.

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Carla Perez se apresenta com look do É o Tcham em bloco de Salvador
Carla Perez se apresenta com look do É o Tcham em bloco de Salvador Imagem: Pereira e Chapetta/ AgNews

Mais do que para você que está lendo, eu estou escrevendo essa coluna para mim. Pois essa é a semana do meu aniversário e por causa dele eu decidi: vou buscar mais alegria no que consumo e no que eu produzo.

Vou procurar os artistas que ainda fazem música para dançar, os comediantes que nos fazem rir da nossa própria confusão, os filmes que nos lembram que a vida pode ser divertida, as mesas com os amigos que deixam o riso solto.

Mesmo que sejam coisas do ontem, enquanto eu espero e procuro essas coisas que estão sendo produzidas no agora.

Cadê a felicidade e as cores de uma quadrilha? A fé de um romeiro numa procissão de algum Círio? O swing de um baile charme? A comunidade dos colonos nos pampas? Tanta coisa massa para se ver, que eu espero de coração que os produtores e criativos por aí foquem cada vez mais nisso, sem esquecer que a realidade é dura e está aí.

Por que se tem uma coisa que aprendi nesses anos todos é que a alegria em tempos sombrios não é escapismo. É revolução. É um ato político dizer: "eu escolho ser feliz apesar de tudo". E em tempos de "nós contra eles", dançar e rir, apesar deles, vai nos fazer um bem danado.

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E você, quando foi a última vez que dançou na sua sala? Que riu até doer a barriga? Que assistiu a algo só por que era engraçado, sem segunda intenção? Talvez seja hora de buscarmos juntos essa alegria que anda meio perdida por aí.

Ano que vem é ano de Copa e imagina que maravilha pode ser, pela primeira vez em muitos anos, sermos felizes como uma nação única, nessa potência nuclear de alegria que nós somos.

Afinal, o mundo já está triste demais. Que tal se fizermos nossa parte para deixá-lo um pouquinho mais leve?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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