M. M. Izidoro

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Opinião

A TV aberta não morreu, e os influenciadores sabem disso

Esses dias eu estava assistindo a um dos meus canais favoritos no YouTube quando me bateu uma sensação estranha de déjà vu. O que eu estava vendo era um talk show. Com entrevistas, quadros fixos, plateia reagindo e aquele formato que eu conhecia muito bem da TV. Só que dessa vez estava no meu celular e o apresentador era alguém que nunca tinha pisado numa emissora.

Foi aí que caiu a ficha: a TV aberta não morreu. Ela só mudou de endereço.

Enquanto todo mundo fala que a televisão tradicional está com os dias contados, uma coisa curiosa vem acontecendo. Segundo o YouTube, há mais pessoas assistindo à plataforma do que aos canais de TV aberta no Brasil entre usuários com 18 anos ou mais. Mas paradoxalmente, os criadores de conteúdo estão correndo atrás dos mesmos formatos que fizeram sucesso na TV por décadas.

Sabe aqueles reality shows que a gente cresceu assistindo? Canais como o do Lucas Rangel fazem realities com patrocínio da Disney e Coca-Cola —exatamente como a TV sempre fez. O SBT descobriu isso cedo e distribuiu 100% da sua programação no YouTube. O Programa do Ratinho online bate recordes de audiência que muitas vezes superam a própria TV.

Não à toa, o Mr. Beast, o maior youtuber do mundo, é basicamente um canal de quadros que veríamos em um domingo com a família na TV de tubo em 1998.

Mr. Beast
Mr. Beast Imagem: Reprodução/Instagram

O que mais me impressiona é como os criadores descobriram que aquilo que funcionava no Domingão do Faustão também funciona na internet. Quadros fixos, competições, entrevistas com famosos, interação com o público. Hoje, você vê youtubers fazendo seus próprios "domingões" —com direito a auditório virtual, convidados famosos e muitos patrocinadores.

Mas, talvez, o formato que mais explica essa migração seja o das novelas de casal. Sabe aquelas tramas românticas que grudavam a família inteira na frente da TV? Casais como Virgínia Fonseca e Zé Felipe, Bianca Andrade e seus parceiros, viraram novelas em tempo real, com milhões de pessoas torcendo pelos relacionamentos deles tal qual torciam por Ana Raio e Zé Trovão ou Tufão e Nina.

Os dados mostram que conteúdos produzidos por casais de influenciadores alcançam 12,5% de taxa de engajamento —número muito acima da média das redes sociais, que varia entre 0,5% e 5%.

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E não são só as "novelas da vida real" que estão engajando. Em plataformas como o TikTok e o Kwai, milhões de pessoas estão acompanhando novelas inteiras na telinha vertical dos seus celulares em episódios de 1 a 2 minutos com o mesmo interesse que o povo tem em saber "quem matou Odete Roitman?".

Cartaz da mini novela 'A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário'
Cartaz da mini novela 'A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário' Imagem: Divulgação/ReelShort

Mas isso pode parecer que a TV tradicional está morrendo, né?

Mas no Brasil, isso parece que está longe de acontecer, pois em dezembro de 2024, as plataformas de streaming alcançaram marca histórica no Brasil com 20,1% da audiência total, segundo dados do Kantar Ibope. Para ter noção da discrepância, o YouTube domina o digital com 12,6%, seguido pela Netflix com 4,6% e Globoplay com 1,1%. Ou seja, todos os serviços de vídeos juntos são um quarto da audiência da TV linear que ainda fica com quase 80% do consumo.

Mas isso está abrindo caminho para um audiovisual híbrido e vibrante. Onde quem aposta em criar e fomentar comunidades, está estourando. O BBB, a Fazenda e outros realities shows, funcionam na TV aberta porque têm ao redor todo um ecossistema de consumo nas redes sociais.

E os influenciadores perceberam que os formatos consolidados da TV funcionam porque atendem necessidades humanas básicas. A gente quer se entreter, quer torcer por alguém, quer acompanhar histórias. Seja no Gugu ou no canal do YouTube do seu influenciador favorito.

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Parece que os produtores de TV aberta e popular ficaram com vergonha de fazer TV aberta e popular.

Então quando você vê um influenciador fazendo talk show ou contando a vida de casal dele no YouTube, lembre-se: ele não está inventando nada. Ele está usando uma tecnologia de entretenimento que foi aperfeiçoada por décadas na TV aberta brasileira.

A TV aberta não morreu. Ela se democratizou. E talvez seja isso que mais incomoda: descobrir que seus formatos eram tão bons que todo mundo quer copiar, agora falta as TVs redescobrirem isso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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