M. M. Izidoro

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Opinião

Será que o audiovisual brasileiro representa o brasileiro?

Esses dias me peguei assistindo a uma série brasileira no streaming e algo me incomodou profundamente. Mesmo a série se passando no norte do país, todo mundo na tela parecia ter saído do mesmo molde. Mesmo sotaque, mesma aparência, com uma história que parecia alguém achando que essas pessoas passavam por aquilo, e não alguém contando sobre algo que viveu de verdade.

E aí fiquei pensando: mas espera aí, esse Brasil aí da tela é o Brasil que a gente vive todos os dias?

A resposta é óbvia, né? Claro que não.

O audiovisual brasileiro tem um problema sério de concentração. Não só de dinheiro (que isso já sabemos), mas de histórias. Praticamente tudo que a gente consome é produzido entre São Paulo e Rio de Janeiro. O famoso eixo Rio-SP.

E onde está o resto da nossa indústria? A Ancine revelou que, num período analisado, o setor concentrou 61% dos empregos na região Sudeste. O Nordeste, nossa segunda região mais populosa, ficou com apenas 14% dos empregos do setor. O Norte, com toda sua riqueza cultural e diversidade, registrou a menor participação, com apenas 6% dos empregos.

Somos 212 milhões de brasileiros espalhados pelos quatro cantos. Desses, 112 milhões são negros —isso mesmo, mais da metade da população. Temos 108 milhões de mulheres, 158 milhões são das classes C, D e E. Existem 15 milhões de LGBTQIA+, 45 milhões de pessoas com deficiência e 1,6 milhões de indígenas.

Olha só que loucura: a gente chama de "minorias" grupos que, se você somar, são a maioria esmagadora do país. E onde eles estão nas nossas telas? Aparecendo como coadjuvantes das mesmas histórias de sempre.

Histórias contadas por terceiros. Histórias contadas por quem não viveu. É como se alguém tentasse explicar pra você o gosto da sua comida preferida sem nunca ter provado.

O que me deixa triste não é só essa falta de representatividade, é o desperdício de histórias incríveis que estão por aí esperando para serem contadas. Imagina quantos "Ainda Estou Aqui" ou "Bacurau" existem dentro de cada comunidade que nunca teve a chance de ter suas histórias ouvidas e produzidas?

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E não venha me dizer que é falta de talento. A gente sabe que não é. Olhem pras festas populares. Pra literatura. Pra música. Todos esses lugares com produção de mais alto nível de norte a sul do país.

O que a gente tá falando é falta de oportunidade mesmo. É falta de acesso. É falta de alguém acreditar que pontos de vistas diferentes dos que já estamos cansados de ver podem fazer sucesso.

Tem algo errado quando uma pessoa com deficiência só aparece na tela quando a história é sobre a deficiência dela. Tem algo errado quando um indígena só aparece quando a trama é sobre demarcação de terras. Tem algo errado quando um nordestino só aparece quando o tema é seca ou migração. Como se essas pessoas não pudessem simplesmente existir e viver histórias de amor, aventura, suspense ou comédia como qualquer personagem do Leblon.

Precisamos de histórias de presentes possíveis, não só de futuros distópicos que nunca chegam ou de passados doloridos dos quais já estamos cansados de lembrar. Histórias onde as pessoas não precisam sofrer para merecer estar na tela. Histórias onde podemos simplesmente ser nós mesmos, amar, sonhar e existir sem precisar provar nada para ninguém.

Vamos começar a falar mais dessas histórias, a exigir mais dessas histórias, a produzir mais dessas histórias. Vamos nos sentar à mesa com pessoas diferentes, ouvir suas experiências e amplificar suas vozes. A gente precisa não só de diversidade na frente das câmeras, mas também atrás delas.

Porque, no fim, o que estamos pedindo não é nada revolucionário. É só poder olhar para uma tela e pensar: "Esse Brasil aí, sim, esse eu reconheço. Esse sou eu".

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Para começar esse diálogo, convido todo mundo a participar das masterclasses do "Laboratório de Narrativas de Futuros Possíveis", onde eu e mais criadores de narrativas indígenas, pretos e PCDs iremos abrir um diálogo sobre nosso processo de criação e como queremos nos ver representados no audiovisual.

Em cada sessão, contaremos com nomes como Juão Nyn, Gautier Lee, Giovanni Venturini, Daniel Gonçalves e Giuliano Robert.

Para saber mais e se inscrever, entre nas minhas redes sociais, aqui nesse link

E importante falar que esse laboratório foi contemplado nos editais da Lei Paulo Gustavo São Paulo e tem apoio do Governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria de Cultura do Estado via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura - Governo Federal.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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