Será que a gente ainda gosta do 'Plim-plim' como gosta do Tudum?

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Vendo as celebrações dos 60 anos da Globo nesses últimos tempos, fiquei me perguntando uma coisa: se a Globo fizesse o "Plim-plim", um evento grandioso para fãs igual ao Tudum, da Netflix, ele seria um sucesso de público com ingressos esgotados em minutos, igual ao evento da plataforma de streaming?
Pensando no tamanho e no alcance da Globo, na teoria, deveria ser um sucesso absoluto, com ingressos esgotados muito rapidamente, filas intermináveis e gente acampada na porta para tirar fotos nos cenários de "Pantanal", com a Cuca do "Sítio do Pica-Pau Amarelo" e na bancada do Jornal Nacional.
Mas, na prática? Eu acho que não.
E não é porque é um evento da Globo, que nos últimos anos diminuiu seu alcance e o impacto cultural. Pelo contrário. A emissora que está dentro das nossas casas há 60 anos provavelmente tem mais personagens icônicos, histórias memoráveis e momentos que marcaram gerações do que qualquer plataforma de streaming conseguirá ter no país nas próximas seis décadas.

Para mim, o problema está em outro lugar: na forma como nós, brasileiros, olhamos para o que é nosso. Como a gente valoriza mal a nossa cultura.
Parece existir uma dinâmica estranha na qual quanto mais algo faz parte da nossa cultura, mais a gente o menospreza. Como se a familiaridade, ao invés de gerar carinho, gerasse desprezo. Onde falar de uma novela das nove é algo menor e menos importante. Mas assistir a uma série como "Succession", que é uma versão curta de uma novela das nove, é algo que não se pode perder.
É quase como se existisse uma relação tóxica entre nós e a nossa própria cultura. Sabemos que ela está ali, dependemos dela, consumimos ela junto com a janta de todos os dias, o que acabou nos formando como pessoas, mas nos envergonhamos dela quando queremos parecer sofisticados ou internacionalizados.
Tem algo profundamente colonial nessa postura. Aquela velha mania de achar que o que vem de fora é sempre melhor, mais bonito, mais digno de admiração. Uma ferida histórica que parece não cicatrizar nunca.
O brasileiro parece precisar que o estrangeiro valide sua própria cultura para então admirá-la. Os filmes são assistidos e considerados bons quando são reconhecidos no exterior. Os artistas quando tocam em festivais de outros países. Os livros quando ganham prêmios em Portugal. Os artistas plásticos quando estão em paredes de Paris ou Nova Iorque.
Isso não é exclusividade brasileira, claro. Outros países colonizados também têm essa relação complicada com suas tradições culturais. Mas, no Brasil, isso ganha contornos especialmente dramáticos porque somos um país tão rico culturalmente e, ao mesmo tempo, tão inseguro sobre essa riqueza.
Daí que um evento como o Tudum, organizado por uma empresa americana celebrando majoritariamente produções e artistas internacionais, lota facilmente. Enquanto um "Plim-plim" correria o risco de ser visto como datado, brega ou "coisa da TV aberta" —como se TV aberta fosse um defeito e não a mídia que moldou e molda a identidade cultural do Brasil.

A ironia é que muitos estrangeiros adorariam estar nesse hipotético evento da Globo. Eles pagariam caro para conhecer os bastidores da empresa que produz novelas assistidas em mais de cem países, para ver de perto os atores que encantam plateias do Japão ao Marrocos. Eu mesmo vi isso em uma visita aos estúdios Globo com centenas de produtores do mundo inteiro alguns meses atrás.
Essa relação esquisita com nossa própria cultura tem consequências que vão além do entretenimento. Ela afeta nossa autoestima coletiva, nosso desenvolvimento econômico e nossa capacidade de criar narrativas próprias sobre quem somos e o que queremos.
Enquanto continuarmos achando que o "Plim-plim" é menos do que o Tudum, estaremos perdendo a chance de fortalecer nossa indústria criativa, gerar empregos em cultura e, principalmente, nos vermos representados em histórias que falem sobre nossas próprias experiências.
Não estou dizendo que devemos rejeitar o que vem de fora —isso seria tão problemático quanto. O mundo é grande e diverso, e devemos estar abertos a diferentes perspectivas e criações. Mas existe uma diferença fundamental entre apreciar o estrangeiro e depreciar o nacional.
Então, da próxima vez que você ouvir um "Plim-plim", pense no poder cultural que esse simples som carrega. Nas histórias que ele introduziu na sua vida, nas emoções que despertou, nas conversas que gerou ao redor da mesa de jantar.
E o "Plim-plim" aqui são todas as TVs, todos os artistas, todas as nossas histórias. Não só a Globo. Assim como o Tudum, não é só a Netflix.
E se um dia a Globo, o SBT ou a Record fizerem mesmo seu evento de fãs, espero que você esteja lá, celebrando não apenas uma empresa, mas uma parte importante da nossa identidade cultural.
Porque no fim das contas, valorizar nossa cultura é questão de reconhecer quem somos, mesmo se a gente for a família do Tufão discutindo em volta da mesa de jantar.
*
E, antes de encerrar, queria dizer que estou muito feliz em voltar ao UOL. Dessa vez, falando do meu primeiro amor, a cultura e produção audiovisual brasileira. Não prometo inspirar ninguém, igual minha coluna do ECOA se propunha. Mas os filmes e obras que eu citar aqui, com certeza vão inspirar muita gente, assim como a cultura brasileira me inspira diariamente.
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