Luciana Bugni

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Opinião

Bonner traz emoção para a bancada e lembra público que jornalista é humano

William Bonner diz na bancada do Jornal Nacional que percebeu que no dia a dia só tinha tempo de fazer o que precisava fazer. O verbo me pega em cheio: o jornalismo tem essa armadilha quando tudo é para ontem. Estar sempre assoberbada de uma lista de afazeres urgentes que só cresce não costuma ser assunto. Há uma prioridade e ela é a notícia. Eu choro um pouquinho.

Jornalista é vetor. Não é gente. Segura o choro e segue noticiando a tragédia. Segura o riso e notícia seu time campeão. Quer dizer, tem notícias que humanizam o jornalista — uma delas é a despedida de Bonner. Na sexta-feira, 31, o jornalista mais famoso do país confessou que estava nervoso, imitou a voz de Cid Moreira e se apressou a terminar tudo para abraçar a esposa nos bastidores. Ué, jornalista é humano?

Quando Bonner recebeu César Tralli em sua (ex) bancada, afirmou que ali no JN perde-se o direito de ser ingênuo. A máxima deve fazer sentido para ele que está por metade da vida naquele ambiente de trabalho, mas não é só no JN que a gente não pode cometer erros e dizer "me enganei, não sabia". É uma profissão que persegue a perfeição diariamente. Errar é mentir. Na primeira aula da faculdade já escutei a frase que acompanha meus dias "agora, vocês nunca mais poderão alegar ingenuidade".

Quando Bonner desce da bancada e é abraçado por engano pela filha mais nova de Tralli, ele é humano. Recebe a filha do colega com um carinho muito distante da frieza profissional. Todo mundo ali é gente. Como todos nós quando tiramos os crachás, guardamos as canetas, fechamos os notebooks.

César completa que repórteres são feitos de experiências de vida. Estou de novo chorando em frente à TV pensando em tudo que eu mesma sou só porque entrevistei tantos desconhecidos durante mais de metade da minha vida. Tralli também diz que sua sensibilidade para o jornalismo, amor pelo próximo e respeito pela reportagem e pelos repórteres são o que o fazem ser o que é.

Alguém com os dois pés no chão, casado com uma mulher, Ticiane Pinheiro, que já nasceu famosa. Simples e muito autêntico, chama filha e enteada de "minhas filhas" — e eu sempre me emociono quando o ouço falar essa frase com tanta naturalidade.

Os mesmos professores no ambiente acadêmico e na profissão que me proibiram de alegar ingenuidade disseram que nós nunca poderíamos ser a notícia. A prioridade é o fato, nos somos apenas o canal que o transmite. Mas, em uma sexta-feira fria do fim de outubro, a notícia é que por trás de tanta notícia — a maioria delas nem gostaríamos de ter lido ou visto —, é que tem gente. Gente como eu, como César Tralli, como Renata Vasconcellos. E como William Bonner, humano, nervoso mesmo que fazendo a mesma coisa que faz há 30 anos.

Foi uma boa noite.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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