Luciana Bugni

Luciana Bugni

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Como falar sobre o humorista que só quer liberdade de expressão para si?

Ouvi a pergunta algumas vezes nos últimos dias: vai falar sobre a condenação do humorista? Confessei para os mais próximos a preguiça do tema. Perdi o bonde, eu disse, meio aliviada.

Eu sabia que não era por isso. Tenho pavor de falar sobre o humorista (cujo nome não reproduzo) porque já vivi na pele a violência virtual que ele propaga. Se o Google não me acha, fica mais difícil que o hater corra atrás de mim. Não estava evitando o tema por cansaço. Era medo mesmo.

Lido diretamente com ataques de ódio na internet desde que me tornei colunista desse portal. Nada nunca foi tão assustador quanto a véspera de Réveillon de 2021, quando, após escrever minha opinião sobre as piadas que enaltecem homens que batem em mulheres, o humorista entendeu (diz que entendeu) que eu o estava acusando de bater em mulheres. Obviamente não foi isso. Mas ele achou uma boa ideia printar meu Instagram e sugerir a seus seguidores que viessem me atacar.

Bloqueei as memórias mais violentas —acontece em situações traumáticas—, mas sei que recebi inúmeros ataques nos 15 dias que se seguiram. A maioria dos seguidores era do sexo masculino, muito jovem. Diziam coisas horríveis e comecei a ter medo pela minha integridade. Fechei as redes sociais e foram longos dias naquele começo de 2022.

Curioso: a violência orquestrada, em meio ao cansaço e à fragilidade dos questionamentos de fim de ano, me fez colocar em xeque se deveria continuar escrevendo para o grande público. Valia a pena? A censura tem muitas faces. Não duvidava do conteúdo do texto: ainda hoje, quatro anos depois, acho que rir da violência contra mulheres valida quem realmente agride fisicamente, mesmo que o humorista jamais tenha cogitado fazer algo tão vil.

Vale para o racismo. Vale para qualquer tipo de violência contra minorias. Rir do que é criminoso é ser cúmplice? Alguns exemplos do que ele e seus fãs chamam de piadas: "Cheguei a contratar intérprete de libras só pra ofender surdo-mudo". "Por que a galinha atravessou a rua? Porque ficou com medo do filho da Taís Araujo". "Quem é trans gosta de dizer que não é homem nem mulher. É o quê? Planta? Tem que botar adubo? Jogar merda, eu gostaria". "Negro reclama de não arrumar emprego, mas, na época da escravidão, já nascia empregado e também achava ruim, aí é difícil ajudar".

É isso que as pessoas acham que precisam defender?

Claro que temos medo da censura. Claro que humor deve ser livre. Mas não dá para dizer que é só piada quando o artista que profere, pessoa física, usa suas redes sociais para distorcer o que uma jornalista disse e incentivar mais homens a irem atrás dela "dar uma lição". A liberdade de expressão é defendida acaloradamente. Mas quando era minha vez de usar meu espaço para dizer o que penso sobre o tema, foi orquestrado o movimento para me calar. Não é desproporcional?

A mulher era eu. Eu vi do que eles eram capazes. Um exército de seguidores que hoje bradam "não gosta, não consuma". O problema não é eu não gostar, eu argumentei anos depois, em discussão semelhante. O problema é que tem quem gosta de rir de menção à violência. Gosta de piada que agride e, também, às vezes, de agredir. E tem quem tenha medo das duas coisas.

Continua após a publicidade

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.