'Adolescência': psicóloga de série errou como estão dizendo na internet?

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Se "Adolescência" fosse uma série protagonizada por um jovem de 13 anos com postura agressiva, daqueles que dão medo e lembram o rosto dos criminosos do cinema, a minissérie não teria tinha o impacto que teve. Mas o ator principal é um garotinho fofo —branco, de olhos claros, como o imaginário comum dos anjinhos— daqueles que devem convidar a gente para jogar jogo imobiliário, assistir a "Stranger Things" na TV ou ir ao cinema ver filmes da franquia Marvel.
Desse combo "podia ser meu filho", aflora o primeiro impulso do nosso instinto cuidador ao assistir à trama que é número 1 de audiência da Netflix desde a estreia, há semanas. Por isso, quando o garoto entra na sala onde será clinicado por uma psicóloga no 3º episódio da série, a vontade é ouvir sua redenção, protegê-lo e não deixar que nenhum sofrimento tome conta do menino. O que acontece na tela, entretanto, dividiu a opinião do público, embora a postura questionadora da profissional esteja correta. Ali, importante também frisar, ela atua como psicóloga forense, tentando entender a motivação do crime para dar seu parecer perante a lei.

Daqui para frente vem spoiler:
O acolhimento clássico do "vem aqui que a tia vai te dar um abraço" é o oposto do que a profissional faz com Jamie. Se ele espera que ela rebata suas lamúrias com elogios, ela surpreende e assiste a autodegradação do garoto com olhos analíticos. Sem se abalar, apesar de acuada, quer entender o que o levou a fazer o que fez. Ele, entretanto, busca em seu olhar a validação para o que sente —o ódio pelas mulheres— e não encontra. Se desespera e volta contra ela a raiva que naturaliza. Aí ninguém mais quer acolhimento: o garoto terno virou o criminoso clássico em cena e o impulso é fugir dali.
"Acolhimento e confronto andam juntos, não são antagônicos", afirma a psicanalista Ingrid Gerolimich, professora da Casa do Saber. O adolescente, ela explica, é um paciente que não tem formação ou ferramentas para lidar com o que sente. "Ele não apresenta culpa, tem uma reação fria. O diagnóstico fácil é que se trata de um psicopata. Mas ele só está ali dissociando a realidade. A partir do momento em que acha que a culpa é do outro, não reflete sobre o que fez", afirma.
A profissional, aí, precisa fazer perguntas de modo a criar espaço para que seja possível que se reflita de fato sobre o que fez. O paciente precisa voltar para si em vez de colocar a vítima no lugar do inimigo. E isso, fica claro no desenrolar do episódio, não dá para fazer enquanto toma um chocolate quente com marshmallow.
"O jovem justifica a necessidade de sobrevivência partindo do princípio de que as mulheres querem aniquilar garotos como ele, que nunca serão escolhidos. E na terapia ele precisa reconhecer esse medo das mulheres e criar as ferramentas para que consiga confrontar a sua própria participação nesses conflitos", ela afirma.

Admitir a culpa o tira do chão, porque tudo que ele construiu parte do princípio de que o que ele fez era certo. Acolher, aí, é criar espaço para sua fala. Nesse lugar, também cabe o confronto —as perguntas que são feitas. "E nisso tudo o terapeuta precisa suportar esse horror psíquico sem dissociar junto com a pessoa. Validar o sofrimento dele sem validar a violência é o desafio", diz Ingrid.
A reflexão vale para a terapia nossa de cada semana, mesmo que não tenhamos cometido crimes hediondos. A psicóloga clínica Viviane Anaia explica que o analista deve, sim, ter uma ação protetiva que suscite uma empatia ou identificação com a humanidade que há naquele problema do paciente. "Quem procura uma análise está sofrendo, com uma dor. O primeiro passo é acolher o sofrimento como legítimo. Mas se para no acolhimento, a gente breca o processo. Para se analisar, é preciso avançar para o momento de indagação para ajudar o paciente a lapidar a demanda e transformar o que se viveu. A ideia é fazer com que aquilo ganhe status de pergunta, de questionamento", ela diz.
São essas indagações que fazem o paciente sair do estado de sofrimento buscando outras respostas. "O acolhimento como fim em si mesmo não surte efeito analítico e não proporciona as questões necessárias. Sem provocar o questionamento ninguém sai do lugar", completa.
Abraço é bom, claro que é. Mas tem hora em que é preciso encarar o problema de frente para sair de onde está. Acolher é dar espaço para que a coragem do confronto com a própria construção de si mesmo aconteça. Jamie não aceitou em uma primeiro momento, apesar de se importar muito com algo que é irrelevante quando está fazendo terapia: será que a psicóloga gosta dele?
É possível com os profissionais adequados, mas o paciente precisa estar disposto e derrubar alguns castelos que criou. Fácil, ninguém disse que seria. O rosto lívido da psicóloga no fim do episódio confirma.
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