Tarado Ni Você e o jeito de se fazer Carnaval que lembra uma oração

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Foi o vocalista Diego Moraes quem disse que as canções do disco Joia, de Caetano Veloso, lembravam uma oração. O disco realmente tem umas experimentações sonoras e silábicas que não parecem agitadas, é mais um jeito de olhar para dentro. Rezar tem muito disso. Refletir, repetir mantras. E a gente logo pensa que não combina muito com Carnaval.
Liguei para o baterista Eduardo Guarinon para perguntar como aquela trilha viraria folia no bloco Tarado ni Você, que desfila no sábado (1º) — afoxés, guitarra baiana, ijexá foi a resposta dele, que toca no bloco desde o ano passado. Ajustar a batida para o agito não tira o caráter quase religioso da coisa (por quase, me entenda, não estou sendo leviana com religiões tidas como "de verdade").
No domingo pré-Carnaval, eu pensava isso vendo o Bloco do Ó em câmera lenta. Os sopros, a vocalista no chão, as cores. A euforia tomando conta do cortejo, algo que nem dá para entender de onde sai — do solo? Juntar todo mundo no mesmo propósito, o de ser feliz, tem, sim, uma pegada meio divina. Dura quatro dias (um mês para quem leva essa bagunça a sério), mas funciona.
O Tarado no Você reúne muita gente porque homenageia Caetano em uma festa bonita, colorida, cheia de som e magia. E se há uma característica comum no repertório de Caetano é fazer olhar para dentro. Imagina ouvir que algo acontece no coração, olhar para frente e ver a placa da Ipiranga com a São João? Toca até os menos sensíveis. Se ele está dizendo que alguma coisa acontece, vamos dar uma respirada e entender o que acontece, afinal.
Nos grupos de WhatsApp, cronogramas carnavalescos detalhados, ofertas de chita para saias, de glitter para as caras, de ajudas em geral. "Andem juntos", dizem um para o outro, em um tipo de espírito protetor. Comunidade carnavalesca, a gente diz. E não é?
Realmente, colocar uma batida um pouco mais agitada em algo que lembra uma oração não tira a propriedade quase religiosa da coisa - vide os louvores nas igrejas evangélicas que conquistam mais fieis.
Lógico que Carnaval é uma festa laica (dizem pagã, mas eu vejo Deus em várias coisas) e esse texto é metafórico e não literal. Mas a guitarra baiana dos arranjos de Felipe Pizzu nas quatro horas em que o Tarado arrasta milhares no centro da cidade cumpre seu papel. É eufórico, é coletivo. E é para dentro. "Quando a noite a lua amansa e a gente dança venerando a noite", termina o mantra de Caetano em Joia.
Eu gosto mesmo é de venerar a vida.
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