Dourado de Fernanda Torres no Oscar deixou Carnaval ufanista no bom sentido

Ao meu lado, em um bloco de Carnaval tradicional paulistano, um rapaz de dourado fecha as mãos em frente ao peito sempre que se lembra. Logo se distrai de novo e vai pegar uma cerveja de temperatura não confiável com o ambulante mais próximo, abraçar algum conhecido e repetir que falou Faraó ("ê, Faraó"). Aí se lembra do seu papel ali: ele é o Oscar de Fernanda Torres. E se posiciona douradamente outra vez tal qual a estatueta que o pessoal deve distribuir lá em Los Angeles no domingo (2).
Umas moças circulam por ali com tiaras de "totalmente indicadas". Quando viram de costas, os dizeres se invertem para "totalmente drogadas". Parecem sóbrias, a referência é o meme de Fernanda Torres falando, no programa do Porchat, que pensaram que ela estivesse "totalmente drogada" no programa de Serginho Groisman, anos antes. Fernanda também estava sóbria no dia, ela garante.
Minha mãe manda uma mensagem com fotos de tecidos vermelhos com detalhes brancos. Ela está costurando para mim o uniforme da Fátima, de "Tapas & Beijos". Eu sorrio, porque quando Fernanda Torres entra em cena —e, onipresente, ela está por tudo que é lado— é isso que a gente faz. Sorrir.
Na tela do meu celular, uma cena de bastidores da gravação de "Ainda Estou Aqui", Fernanda em um carro com os cinco atores que representam os filhos que Eunice e Rubens Paiva tiveram. Ela faz uma piada, Selton Mello explode uma gargalhada. É assim que é o Carnaval, né? A gente ri o tempo todo. Fernanda Torres é o Carnaval faz tempo.
Ufanismo não pegava bem
O verde e amarelo começou a pegar meio mal nas multidões há mais ou menos uma década, quando uma turma assim se travestiu (com um pato de borracha como símbolo) e foi às ruas pedir uma intervenção militar. O ufanismo virou sinônimo de perigo quando para supostamente defender uma pátria é preciso atacar a liberdade das pessoas que ali vivem. Ufanismo, aliás, segundo o dicionário, é um sentimento de amor pelo país cheio de adjetivos para revelar que esse amor é demais ("orgulho exacerbado pelo país em que nasceu; patriotismo excessivo", diz o Houaiss. Exacerbar nem sempre e bom. Exceder costuma acabar mal também.
Mas no Carnaval, pipoca na internet o tal do ufanismo em memes "bom demais ser brasileira", "deve ser muito triste acordar e perceber que não nasceu no Brasil". É mesmo. O fenômeno Fernanda Torres e a possibilidade de levantar uma estátua bem no meio do Carnaval corrobora —imagina só ser brasileira e essa mulher estar com uma estatueta dourada na mão enquanto a gente está no meio da folia?
Entre homens pintados de dourado, mulheres com legendas-tiaras totalmente alguma coisa, e tantas Fátimas, Vanis e Pikachus, a gente celebra um pouquinho do orgulho de um país que nem tem tanto motivo assim para comemorar, mas o que não tem inventa.
O símbolo da atriz que devolveu o orgulho do Brasil em um filme que justamente mostra o que a intervenção militar fez no país há 50 anos já é vitória —sem patos na rua dessa vez. Se o folião esquecer de cruzar o braço em frente ao peito, tudo bem. A gente, de alguma forma, já escreveu o nosso nome de confete e serpentina na história. Gostoso demais ser brasileira exacerbada e feliz nesse começo de 2025. Quarta-feira que vem a gente pensa em como consertar o resto. Por enquanto, a vida presta demais.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.