Luciana Bugni

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Opinião

'The White Lotus': formato de um episódio por semana é bênção aos cérebros

Tem um homem bonito em um lago, num hotel de luxo na Tailândia, fugindo de um atirador. Ele para em frente a uma estátua e pede proteção para o Buda. Na cena seguinte, vê um vulto boiando. Um corpo, provavelmente. Quem morreu? Não sei, não sabemos. Não saberemos até o fim de abril, quando poderemos ver o desfecho da história. E a ansiedade, como fica? Sei lá, guarda em uma gaveta e espera.

Logo na sequência da tensão dos tiros, a cena corta para a semana anterior, em um barco calmo, no meio do oceano. Ali, turistas estão indo para um resort. Um deles não vai sobreviver, já sabemos. Quem? É assim que começa "The White Lotus", série de sucesso na Max, que estreou sua terceira temporada na semana passada. O segundo episódio fica disponível na noite deste domingo (23).

Não é um formato exatamente novo, pelo contrário. Quando víamos TV (lembra?), episódios novos de séries só passavam depois de uma semana. O conceito de novela segue assim até hoje. Quando acaba, só tem mais no outro dia. Mas, nos últimos tempos, os canais de streaming deterioraram um pouco essa fórmula. Soltar uma temporada toda de uma vez virou praxe e acomodou nossos cérebros a pensar que sempre tem mais.

Jason Isaacs e Parker Posey interpretam os pais de Sam Nivola, Sarah Catherine Hook e Patrick Schwarzenegger na 3ª temporada
Jason Isaacs e Parker Posey interpretam os pais de Sam Nivola, Sarah Catherine Hook e Patrick Schwarzenegger na 3ª temporada Imagem: Fabio Lovino/HBO

Nós, que fomos criados assistindo a intervalo comercial, sabendo que uma hora o programa da Xuxa acabava e começava o telejornal, desaprendemos a esperar. Maratonar virou verbo para longas sessões em frente ao computador ou TV, vendo o próximo, o próximo e o próximo. Ninguém digere nada. Ninguém consegue pensar muito, porque há sempre mais um para ver.

Bem, isso falando de adultos, que têm memória de como era a vida antes da internet rápida. Meu filho tem 8 anos e nem sabe o que é esperar um desenho animado ser transmitido por uma emissora. O que ele consome está sempre lá, disponível. E tem mais um. E tem mais. E, peraí, mamãe, só mais um, por favor. A oferta não tem fim e, por isso, realizar o próprio desejo também é infinito.

Entretanto, sabe o que tem fim? A frustração. Só que isso é um problema grande, porque, apesar de não haver espaço ou tempo para se frustrar no consumo desenfreado de audiovisual, na vida real o que mais tem é desgosto. Aí, meu bem, como encarar?

Aconteceu com a criança aqui em casa. No meio da leitura do primeiro livro da série de Harry Potter, descobriu o mundo dos filmes. Assistiu a todos. Na sequência. Em uma semana. Não terminou o livro, porque já sabia até o que acontecia nove anos depois da página que estava lendo. Quem tinha a idade dele na época dos lançamentos esperava até um ano pelo próximo livro e devorava tudo. Perdemos bastante nesse caminho.

A nova iniciativa literária que propusemos foi o "Diário de um Banana". A série infantil tem duas dezenas de obras. Ele leu a primeira em quatro dias e amou. Descobriu que na Disney há uma série de filmes inspirada na história do menino Greg. Permiti que visse o primeiro, baseado no livro que ele já havia lido. Ele adorou, mas veio segredar que "o livro é bem melhor". Eu sorri e lembrei que poderia acontecer o mesmo com Harry Potter, se ele não tivesse atropelado tudo com a maratona de filmes.

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Harry Potter e a espada do Grifyndor
Harry Potter e a espada do Grifyndor Imagem: Divulgação

Achei que o assunto estava resolvido e estava me sentindo orgulhosa do didatismo (mãe erra tanto que quando acerta se autocelebra por dias). Porém, no dia seguinte, escutei o som da TV. Perguntei de que se tratava e ele se apressou em abaixar o som. Sim, estava vendo o segundo filme da série escondido, antes de ter o livro (mãe erra tanto que quando acerta vem a derrota na sequência).

Quem resiste à oferta? Como domamos a compulsão quando o mundo parece o tempo todo estar oferecendo mais, mais e mais?

Segunda, no café da manhã, contei sobre "The White Lotus". Descrevi a cena do corpo boiando para um par de olhinhos arregalados. "Mas quem morreu, mãe?" Não sabemos. Só vamos saber daqui a 10 semanas. "Meu Deus, como vamos aguentar?" A gente aguenta.

Se respirar fundo e exercitar a paciência, aguentamos qualquer frustração. Aí nem dói tanto a vida oferecer tanto desgosto. Quando sabemos esperar, quem manda no destino somos nós mesmos.

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