A meia vermelha que roubou uma namorada de Silvio Santos
"Silvio Santos estava com uma meia vermelha!", me dizia uma indignada Xenia Bier há dez anos ao telefone. "Imagina isso? Roupa social e uma meia vermelha?"
A história da apresentadora de TV que fez história ao se tornar a primeira mulher a falar de sexo e feminismo na TV brasileira foi contada pela primeira vez para a jornalista Lidice Ba, ex-editora-chefe da revista Ana Maria. Depois, ela repetiu nas conversas semanais que tínhamos sobre a coluna na revista.
Xênia era atriz da TV Cultura nos anos 50 quando foi convidada por ele, ainda em começo de carreira, para um encontro. Quando chegou à porta do cinema e viu o figurino que, atualmente, parece até descolado, ficou estarrecida. Na virada dos anos 50 para os 60 não seguir as normas de elegância era cafonice ou acinte.
Para Xênia, era a primeira opção — e ela até gostaria se fosse provocação. "Meia vermelha não dava para mim", ela justificava mais de meio século depois.
Silvio percebeu na hora o desprezo da pretendente e vaticinou: "Um dia eu vou ser muito rico e eu vou comprar você".
Ela não deu a mínima, dispensou o futuro romance e seguiu a vida pelas décadas seguintes. Silvio também seguiu seus objetivos e ficou rico, como sabemos.
Anos depois, Xênia dizia ter recebido uma ajuda dele, mas não explicava direito. O patrão, já magnata, a chamou em sua sala. "Eu não disse que um dia eu ia te comprar", afirmou, segundo ela.
Xênia não ligou. Na década de 80, ela disse em uma reportagem da Folha de S.Paulo que seria grata a ele e a Hebe Camargo por essa ajuda "até que Deus envelheça". Era um período em que ela não tinha emissora e, logo depois, se recolocou na Manchete.
"Quem ajudou a Xênia foi você, Silvio", disse Hebe no ar, em 1988. O dono da emissora concordava: quem havia se dado melhor na carreira precisava ajudar a classe. "Tem gente que acha que todos os artistas são ricos", ele disse para Hebe.
A piada com despeito era o de menos para Xênia nesse contexto. A apresentadora continuava na sequência da história: "Era para eu também ter ficado rica se não tivesse implicado com a meia e me recusado a namorar", gargalhava, sem parecer arrependida. "Mas meia vermelha não dava".
Xênia morreu também em agosto, há quatro anos. A história que ela nos contou várias vezes não ficou documentada — como a maioria dos causos da TV brasileira que ela lembrava ao telefone. "Silvio é um gênio e consegue fazer tudo o que quer", repetia.
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Para além de conseguir o que queria profissionalmente, Silvio Santos tem o mérito eterno de estar na memória afetiva de uma geração toda.
Roubo as palavras do jornalista Lucas Vasconcellos: "O SBT tem um lugar afetivo na vida das pessoas, principalmente de classes menos abastadas. O público era de classes C, D, E. Era o entretenimento de quem não pode ir a museu, viajar, comprar livro. A TV aberta era a 'babá de pobre'. Não há como dissociar isso de nossa formação. Para mim, isso é incontestável", ele disse, na manhã de sábado (17).
É verdade.
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