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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Corrente bombou no Insta: por que vemos o mesmo filme mais de 10 vezes?

Curtindo a Vida Adoidado é um exemplo de conforto por repetição - Reprodução
Curtindo a Vida Adoidado é um exemplo de conforto por repetição Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

20/08/2022 04h00

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Essa semana bombou no Instagram uma corrente de figurinhas que pedia que as pessoas compartilhassem os filmes que haviam visto mais de 10 vezes. E aí foi aquela coisa: "ET, o Extraterrestre", "Esqueceram de Mim", "Pânico" ou "Como Perder um Homem em 10 Dias", tinha para todos os gostos. A cada década, a galera viu seus filmes favoritos pelo menos uma vez por ano.

Ninguém vai duvidar: a combinação juventude e tempo livre acabam permitindo que se repitam alguns padrões. Seguramente vi "O Casamento do Meu Melhor Amigo" mais de dez vezes de 1997 para cá.

Dá até para entender quando a única oportunidade de lazer vespertina era contar com o que ofereceria a Sessão da Tarde. Mas por que raios eu continuo fazendo isso mesmo com todas as infinitas possibilidades oferecidas pelos serviços de Streaming?

A mania de consumir outra vez arte que você já conhece tem um nome: comfort culture. Não sou só eu que me perco nas cenas de Julia Roberts tentando fazer Cameron Diaz se dar mal, é meu amigo que está lendo Dom Casmurro pela sexta vez, minha amiga que volta e meia escuta o Acústico MTV dos Titãs de novo (aquela versão de "Diversão" é a melhor que tem mesmo).

Cultura com gostinho de conforto

Comfort Culture é autoexplicativo: consumir o que você já conhece não causa sobressaltos. Tem coisa mais gostosa do que deitar no sofá depois de um dia tenebroso e ter a certeza de que tudo vai acabar bem? Dias tristes terminam melhor com aquele episódio de Friends em que o Brad Pitt chega para a festa de Ação de Graças. Dias cansativos viram um momento relaxante com aquele documentário em que o Chico Buarque explica seu processo criativo andando na praia do Leblon. É natural que Ferris Buller me dê aquela sensação de sossego como se eu pudesse matar aula e curtir a vida (e esquecer que estamos a pouco mais de um mês das eleições no Brasil).

corrente de insta - Reprodução - Reprodução
Corrente do Instagram sugere repetição de filmes
Imagem: Reprodução

As crianças sabem bem: parecem esquecer qualquer questão quando vêem Simba cantar Hakuna Matata com Timão e Pumba. O princípio funciona tanto que Walt Disney empreendeu em parques de diversão com o tema, para adultos continuarem convivendo com aqueles personagens que conhecem tão bem.

A repetição causa um conforto gostosinho em tempos que os noticiários dizem o contrário o tempo todo: lá fora, nada parece ir muito bem. Mas se o crush não ligou nunca mais, é bom saber que o Alex Fletcher de Hugh Grant sabe bem o que fazer com a música e com a personagem de Drew Barrymore em "Letra e Música". Um alívio imediato, você no controle de novo.

Pode ser o cheiro da feijão da sua avó, um pijama que te faz sentir na casa da sua mãe, ou a voz do Renato Russo cantando "Eduardo e Mônica" — ninguém pode julgar. O que a gente conhece é confortável. "As Meninas", quadro do pintor Velásquez, funciona para mim: posso olhar aquela imagem por um tempão e sempre me sinto melhor ao constatar de novo que elas continuam ali, esperando algo. Há séculos.

Saber o que vai acontecer é agradável quando o futuro parece incerto há tanto tempo.

Mas claro, há quem conteste: ver 10 vezes o mesmo filme parece perda de tempo quando tem tanta comédia romântica que oferece a certeza de um roteiro bem parecido a todos os outros. É só sentar ali, saber que vai ter uma briga aos 70 minutos de filme, mas tudo vai acabar bem aos 90.

Tem um outro jeito de saber que tudo vai acabar bem, mas pode acabar custando um pouco mais em terapia. Se conhecer bem é um caminho seguro que garante o retorno: se tudo der errado, é só voltar para si mesmo. Mas esse é um outro assunto...

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