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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como Roberto Carlos: quem nunca mandou alguém calar a boca sem querer?

Roberto Carlos joga as tradicionais rosas sem nenhuma animação em show - Beatriz Damy / AgNews
Roberto Carlos joga as tradicionais rosas sem nenhuma animação em show Imagem: Beatriz Damy / AgNews

Colunista do UOL

23/07/2022 04h00

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Nós vivemos um tempo de ódio e falta de paciência com qualquer um que pense diferente, é verdade. Embalados pelo algoritmo das redes sociais que só nos oferece o que de certa forma queremos ver, temos dificuldade para lidar com o outro. Na internet, podemos até escolher passar alguns nervosos, seguindo gente que não nos faz bem, por exemplo. Agora, quando a gente leva tudo isso para o outrora raro convívio social... aí, meu amigo, a coisa pode ficar mais complicada.

Aconteceu com o sempre recluso Rei Roberto Carlos. Fazendo um show, teve de encarar um público que não ficava quieto. Quando você está concentrado em alguma coisa, até gente dizendo que te ama atrapalha e irrita. Foi o que aconteceu com o cantor, que soltou um cala a boca no meio do show e depois distribuiu suas rosas com um olhar de quem gostaria de estar esfregando apenas os espinhos na cara das pessoas. Acontece.

No show seguinte, ele se justificou dizendo que o "cala a boca" saiu sem querer. Ninguém pode julgar. Quantas vezes você mandou alguém se calar involuntariamente? E quantas vezes você quis profundamente que o interlocutor se calasse, mas manteve a boa educação em nome da civilidade? Nem precisa ser um cantor no palco, como bem descreveu minha amiga Luiza Sahd aqui. Pode ser a obra do vizinho — onde parece imprescindível marretar tudo das 7h as 7h40 da manhã. Uma conversa inútil e animada no trabalho bem na hora em que você está fechando um relatório. Uma discussão doméstica em que o outro apenas fala e não te escuta. Dá vontade de dizer cala a boca o tempo todo.

Vou além, depois de assistir o besteirol adolescente "Spontaneous", na Netflix, adotei uma nova forma de me comportar frente ao que me desagrada profundamente. No filme, os jovens vivem uma bizarra epidemia em que explodem sem o menor aviso prévio. É assim: em um momento você está lá discutindo com algum colega, no outro há apenas sangue espirrado no cômodo e roupas no chão. Os "cala a boca" que eu não digo viram situações análogas às do filme na minha cabeça. Se eu não posso silenciar o outro, posso fazer o que eu quiser com o barulho na minha imaginação, certo?

Creio que a solução espontânea da bronca de Roberto Carlos nas fãs seja um tanto mais saudável.

E, não fosse uma falta de educação extrema que impossibilita o diálogo, mandar se calar deveria ser legalizado. Menos para crianças, claro, mesmo sendo eles o maior poço de tagarelice que eu conheço ("para de gritar só um pouquinho, filho, para a mamãe terminar esse texto, eu juro que é rápido").

Roberto Carlos estava naquele momento em que tem tanto para falar mas com palavras não sabe dizer quando foi praticamente atacado sonoramente por uma horda de 60 fãs ansiosas por uma rosa. É natural que ele buscasse uma maneira de preservar sua concentração, seu trabalho, seu grande amor pelos fãs.

Saiu um cala a boca que pedia por educação. Falta de gentileza é contagiosa e a resposta grosseira é uma constante quando enfrentamos a grosseria.

"Me desespero a procurar alguma forma de lhe falar", canta o Rei. Não é um "cala a boca" que vai educar quem não trouxe educação de casa, isso está claro. Mas o que iria explicar para pessoas adultas que não se pode fazer barulho na hora que bem entende? A sociedade hedonista quer falar na hora que quiser, sem sequer olhar para o outro. Um "cala a boca" da majestade pode ajudá-los a se situar.

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