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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Geração Z no perrengue: se você passa raiva vendo, imagina a mãe deles

Geração Z no Perrengue: como a gente foi criar essa galera? - Divulgação
Geração Z no Perrengue: como a gente foi criar essa galera? Imagem: Divulgação

09/07/2022 04h00

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O termo "snowflakes" lembra cereal de milho com a estampa de um tigre na caixa, mas quer dizer "floco de neve" em tradução literal. A expressão é também uma gíria para o jovem que se acha a última bolacha do pacote. No português de nosso país tropical, usamos "alecrim dourado": algo frágil, encantador, raro.

É essa autoimagem da geração Z, a turma que nasceu depois dos anos 2000 e está virando adulta agora. Se você não tem um desses em casa, já viu no mercado de trabalho (onde estão chegando convictos de que sabem mais do que quem está lá há décadas). Eles se acham especiais demais para qualquer perrengue comum das pessoas normais — e por normais leia eu e você.

Um camarada da geração Z já nasceu conectado e tem vaga lembrança de quando a internet era discada, já que nessa época eles ainda estavam na primeira infância. Para eles, tudo é rápido e imediato. Por isso, cresceram acreditando que a vida é um chá com bolinhos que não exige muito esforço — o chá, no caso, é comprado pronto no mercado e ai de quem não colocar para gelar a tempo.

O caminho certo do mundo, seguindo esse raciocínio, é servir esses floquinhos de neve com todo o conforto possível. Afinal, já está dando trabalho demais para eles brindarem o planeta com sua sabedoria e beleza — usando o dinheiro dos pais, claro.

A Netflix juntou alguns flocos de neve na faixa dos 20 e tantos anos e prometeu levá-los para um resort. Esses jovens fizeram suas malas e foram surpreendidos no caminho. Na verdade teriam que sobreviver na mata. Esse é o reality Geração Z no Perrengue, disponível no Brasil, se quiser passar (muita) raiva. Para continuar no jogo, teriam que realizar atividades simples — quem está acostumado com realities de sobrevivência de verdade, sabe que aquilo é o jardim da infância do Ed Stafford. Entre as missões está, por exemplo, pegar uma canoa e atravessar um riacho para buscar comida. Fácil para qualquer um que já fez seu próprio arroz ou limpou sua privada pelo menos uma vez na vida. Não é o caso de nossos heróis.

Além das brigas comuns de reality show, em intrigas criadas para virarem barraco, você vê os apresentadores do programa passando nervoso na hora de ver os VTs para aplicar os castigos nos que tiveram pior desempenho.

Os floquinhos de neve ficam revoltados, claro. Como podem alguém penalizá-los? Não estão vendo o quanto eles são especiais?

Quem vê o programa se irrita intrigado com as características dos personagens, que parecem roteirizadas. Mas não é ficção, são pessoas de verdade. Tem um montão delas lá fora esperando você abrir a boca para dizer que você está errado. Mães e pais daquela garotada devem sofrer ao ver maximizado no streaming global um problema que dentro de casa parece apenas um drama familiar individual.

E a culpa não é só deles, não. Explicar que um floquinho de neve não passa de poeira é tão cansativo que a sociedade inteira desistiu. Os chefes preferem fazer o serviço do que mandá-los fazer. Os professores se sentem tão exaustos que perderam o instinto transformador. Os pais — coitados dos pais — estão lendo esse texto agora e pensando: tá, mas o que eu faço?

A geração Z segue fumando seus pen drives, pedindo demissões sequenciais ao menor sinal de dificuldade, de cabeça baixa scrollando um celular e resmungando qualquer coisa quando um adulto faz uma pergunta (como se eles mesmos já não fossem adultos também). Têm convicção de que a culpa pelo próprio fracasso é do resto do mundo — ou do pai que abriu pouco a carteira. E a gente segue incrédulo: como é que fomos deixar uma geração inteira crescer assim bem debaixo de nosso nariz? Você pode discordar de mim no Instagram.