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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que posicionamento de Jada P. Smith ensina sobre nós em tempos de ódio

Jada Pinkett Smith: elegância de não se posicionar - P. Lehman/Future Publishing via Getty Images
Jada Pinkett Smith: elegância de não se posicionar Imagem: P. Lehman/Future Publishing via Getty Images

Colunista do UOL

30/03/2022 07h45

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"E o tapa do Will Smith, hein?", todo mundo perguntou na segunda-feira após a cena protagonizada pelo ator e Chris Rock no Oscar no domingo (27). Vivemos em tempos que qualquer fato, ocorrido na Los Angeles que for, desperta no ser humano um desejo profundo de opinar. Desejo, não, quase obrigação. Todo mundo tem que meter o bedelho em uma briga — lamentável, como a maioria delas — que aconteceu a dezenas de milhares de quilômetros daqui. Mais que isso, é importante escolher um lado. E finalmente, atacar o camarada que esteja do lado oposto do seu.

Distraída que estava vendo o show de Planet Hemp, Emicida e Rael no encerramento do Lollapallooza no domingo, perdi a esdrúxula cena em que Will Smith e sua esposa, Jada Smith, confortavelmente sentados em suas cadeiras em um lugar de destaque no Oscar, ouviram piadas desagradáveis de Chris Rock sobre a perda de cabelo de Jada. O fato se deve à alopecia, uma doença que muitas vezes tem cunho emocional e faz pessoas perderem o cabelo. Tem tratamento e cura.

Mas incomoda a autoestima feminina há muito tempo, já que é convenção que mulheres bonitas ostentam cabeleiras fartas. Uma bobagem: basta observar a foto de Jada no Oscar para perceber que definitivamente não é ter cabelo que faz uma mulher ser bonita.

Chris Rock deve ser da turma que acha que mulher, para ser bonita, tem que ter cabelo comprido. E resolveu fazer piada com o fato. Ela ficou constrangida, o casal não se dá com ele, Will se enfezou, subiu ao palco e deu um tapa na cara do colega. A cena, para quem viu ao vivo, pode até ter parecido combinada, tamanho o surrealismo. Não era. Uma violência espontânea no palco para onde estavam apontadas todas as câmeras do mundo.

Tem polêmica? Opa!

Sai daí a necessidade de opinar. "Onde houver polêmica, estarei dizendo o que penso sem nem pensar antes", diz o fundamento número uma das interações em rede social. E quando fica difícil opinar, aonde a gente se coloca? No lugar de quem mais se identifica, claro.

Onde você se vê? Fazendo piada sobre a doença de uma senhora no palco? Ou levantando e agredindo alguém para defender a honra de sua mulher?

A resposta parece fácil e macula o princípio básico por trás do tapa de Will Smith — a violência é injustificável. Seja verbal, como a falta de empatia de Chris, seja física, como a deselegância de Will.

Mas a gente pode se colocar no lugar dele, sim. Eu me imagino atravessando a sala para socar a cara de alguém que me incomodou. Fácil. Tudo bem imaginar. O problema é levantar e fazer. Não dá para defender o agressor em praticamente nenhum contexto. Seja ele o moço de smoking do lado de cá ou o moço do lado de lá.

E Jada? A tentativa do marido de defendê-la maculou a própria defesa. Ainda que exista uma intenção de olhar para a cena com um certo romantismo de filme de bang-bang... não há como apagar a piada ofensiva que julga seu corpo, muito menos a violência física televisionada. Como Will disse em seu pedido de desculpas, na profissão dele, é preciso aguentar certas humilhações. Surpresa, Will Smith: não só na sua. Definitivamente não dá para se levantar e sair socando quem nos irrita. Infelizmente na vida adulta, o argumento infantilizado de "foi ele que começou" não cola mais. E, na sede por eleger culpados, por dissecar fatos aleatórios em conceitos maniqueístas, acabamos nos perdendo do conceito trazido por Jada quando finalmente se manifestou sobre o assunto: são tempos de cura.

Para ela, que vive os efeitos físicos de uma doença em tratamento. Para quem brinca com sentimentos dos outros chafurdando no conceito de "não posso perder a piada". Para quem levanta de onde está e decide resolver a situação no tapa. Para nós, usuários da internet, nos digladiando há 72 horas tentando provar um ponto que ninguém perguntou. Hão de ser tempos de cura.

Que a pausa de Jada e o jeito sucinto e elegante como ela tratou o barraco todo nos possa ensinar um pouquinho mais sobre nós mesmos. E que a gente possa sarar. Para todo mal há cura. Você pode discordar de mim no Instagram.