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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Ninguém aguentaria': justificativa de DJ Ivis a agressão é nova violência

DJ Ivis: ele acha que estava certo ao agredir - Divulgação
DJ Ivis: ele acha que estava certo ao agredir Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

12/07/2021 11h44Atualizada em 12/07/2021 16h05

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O relacionamento abusivo tem particularidades muito sutis. É comum, por exemplo, ver cenas em que a mulher agredida reage. Os ânimos estão à flor da pele e o corpo humano devolve o que recebe —seja verbal ou fisicamente. Por isso, as cenas de violência contra a mulher causam tanta comoção. Se por um lado, há muita gente que fica inconformada com a injustiça, por outro, tem gente que fica tentando encontrar nas cenas deploráveis um quê de "mas o que ela fez para merecer isso?".

É um clássico que permeia as relações abusivas. É por esse motivo que é tão comum faltar forças às mulheres para denunciar. Denunciar implica em se expor. Mais que isso, implica em perder a pessoa por quem você está lutando. Se você diz para todo mundo que a pessoa que você ama é um agressor, fica difícil argumentar que a relação entre vocês dois será mantida. É uma tristíssima sinuca.

Parece que DJ Ivis e Pamela Gomes de Holanda estão num ciclo parecido. A mulher, mãe de um bebê, postou nos stories vídeos de câmera de segurança dentro do apartamento em que o marido a agride fisicamente. Ela revida. Os trechos de 15 segundos não mostram o que os abutres de internet querem saber: quem começou a briga? Não importa, mas o DJ ganhou 200 mil seguidores de domingo (11) para segunda. Não se sabe se essas pessoas estão torcendo para que ele prove sua inocência ou apenas querem ver onde a história vai terminar.

Quando Pamela rompe com o ciclo abusivo da relação que expõe a filha, de 9 meses, a essas cenas perigosas e deploráveis, ela dá um passo em direção à própria alforria. Um passo dificilímo de dar, pois ela ficará exposta e será julgada. Mas também irreversível. Ela garante que não vai mais se calar.

A mulher que denuncia o agressor está disposta a perder o que a fez aguentar toda aquela barbaridade — o homem que ama. É louvável. É corajoso.

Ivis, por outro lado, até então parece não ter nada a perder. A relação é, segundo ele mesmo, cheia de ameaças de suicídio por parte dela. Mas quando Pamela expõe a agressão, o coloca numa posição de vulnerabilidade. Contratos caindo, mensagens de repúdio de personalidades importantes da música e da mídia, como Marília Mendonça e Juliette. DJ Ivis, então, conhece a situação de medo que sua mulher recém parida vive há meses. Perder algo que importa muito (o casamento para ela, a carreira para ele) é algo desesperador.

Então ele vai até a mesma rede social onde foi denunciado e a expõe mais. Diz que vivia sob ameaças constantes de suicídio dela. E por isso reagiu alguém.

Não há lógica para quem ouve: agredir fisicamente uma mulher que está ameaçando se matar com um bebê no colo não parece ser uma saída plausível.

Ivis começa a postar vídeos gravados por ele enquanto Pamela tinha surtos de raiva durante as brigas. O Instagram derruba as gravações. Ele fica bravo, argumenta que não fez nada errado, alimenta o circo e ganha seguidores. E solta a frase em que tenta justificar suas atitudes: "Ninguém aguentaria, não".

Ninguém aguentaria, não

A frase precisa ser repetida para que a gente pense nela. A mulher que acaba de passar pelo puerpério, de uma relação idealizada por ela com um artista em ascensão que ela tem muito medo de perder. Ameaça se matar. Dá sinais de perturbação psicológica o suficiente para realmente cumprir a ameaça. Cuida de um bebê assim. Quem não aguentaria?
Quando Ivis se coloca na posição de vítima dessa história triste que testemunhamos via o circo montado nas redes sociais, percebemos aonde pode ir a falta de empatia. O possível agressor que vemos no vídeo realmente se considera vítima. Não diz que se arrepende, não pede desculpas para a própria mulher, nem para a sociedade. Ele afirma que não tinha alternativas. Ele expõe o próprio sangue frio com vídeos em que (calmamente e com deboche) filma um surto da pessoa que diz que o ama. Ele diz que chamou um amigo (dele) para ajudar (a ele) a levar a situação porque (ele) não aguentava mais. As necessidades dela não aparecem em nenhum momento.
Voltamos ao ponto inicial: um relacionamento abusivo é de uma tristeza cheia de sutilezas. Há sempre uma brecha para contestar e tentar achar atitudes culpadas de ambas as partes. Nesse caso, de um lado uma mulher recém-parida desesperada para manter a relação que idealizou. Do outro, um músico de sucesso em ascensão, que acha que a única saída quando a coisa aperta é a agressão.
O resto é questão de bom senso de quem acha que o sofrimento dos outros é entretenimento.
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