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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sorvetão e Conrado são hétero, cristãos e tradicionais. E qual o problema?

Sorvetão e Conrado: casal hétero, branco, cristão e tradicional, mas pouco empático - Reprodução/ Instagram
Sorvetão e Conrado: casal hétero, branco, cristão e tradicional, mas pouco empático Imagem: Reprodução/ Instagram

Colunista do UOL

17/06/2021 11h49

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O vídeo foi gravado no dia dos namorados, mas só viralizou quase uma semana depois. O casal Andrea Sorvetão e Conrado, conhecido de quem viveu nos anos 80 e 90, faz, em tom humorado, um apelo por patrocínio. Eles se denominam um casal hétero e longevo — estão casados há 26 anos e namoram há 32 anos.

Para os mais novos, que não os conhecem: Andreia era paquita da Xuxa, uma das de maior sucesso e braço direito da apresentadora. Conrado era cantor romântico e vira e mexe estava em programas de auditório, como esse em que ela trabalhava. Era um sucesso. Você sabe, os anos 80 e 90 eram uma farra. Dava para paquerar ao vivo na TV sem ninguém achar errado. Ambos já posaram nus, por exemplo. E não tem problema nenhum nisso nem naquela época, nem agora.

Mas então, o que tem de notícia no vídeo dos dois? Um casal, como qualquer outro, que tem uma religião, a cristã, e se assume como tradicional (Conrado é o primeiro namorado de Andreia). Eles não podem dizer isso em um vídeo na internet? Por que teriam que criticá-los?

Hm... o erro é que o vídeo tem um tom de ironia. As propagandas de dia dos namorados esse ano tiveram um forte apelo LGBTQIA+. Numa feliz coincidência, em nome da diversidade, o dia dos namorados inventado no Brasil cai bem no mês do orgulho.

E, se o consumismo e os tapetes de pétalas românticas estão meio fora de moda, levantar a bandeira da diversidade cai, ainda bem, muito bem.

É uma mudança de comportamento que vem acontecendo. Depois de décadas de beijos héteros e brancos como o de Conrado e Andréia, hoje uma loja tradicional e popular, que tem tantos clientes cristãos como as Casas Bahia, decide trocar o beijo por um abraço afetuoso de dois negros não-hétero, como Gil e Lucas.

Eita, o que está acontecendo?

O Mercado Livre decidiu recriar os beijos icônicos do cinema e audiovisual com casais LBGT não- brancos, não-magros, nada do que a gente está acostumado. É preconceito contra os héteros tradicionais? Jamais.

É uma visão positiva de mercado que, se não nos incluirmos todos nas causas, venderemos menos. E é legal quando o lucro bate na porta de causas que costumeiramente seriam marginalizadas.

Conrado e Sorvetão, brancos, héteros e cristãos, tradicionais como tantos outros casais que conhecemos, se sentiram excluídos dessa vez. Não sobrou propaganda para eles — como sempre faltou para casais negros na história da mídia brasileira, quadro que tem mudado timidamente agora, a partir de Lázaro Ramos e Taís Araújo. Quando você se sente à margem é incômodo. Mas aí você olha para a justiça da causa que está sendo privilegiada dessa vez e aplaude.

Na noite de quarta (17), depois da explosão do viral, eles resolveram fazer uma live. Queriam falar de Deus e da religião na qual creem para os fãs. E deixar claro que não são contra nenhuma orientação sexual. "Não somos contra, sempre convivemos. Não coloquem rótulos na gente", disse o casal, deitado na cama. "Depois do vídeo, veio um monte de gay, GLS, é tanta sigla que nem entendo mais. Se existe publicidade para eles, devia existir para mim também", diz Conrado antes de informar que o vídeo é muito mais leve do que está sendo levado.

A explicação do casal peca porque não tenta ainda se colocar no lugar do outro. "Ele está olhando, mas não vendo", citando uma frase que acabou de usar na mesma live como mandamento de Deus. Tirar as travas dos olhos vale para todos. Conviver com a diversidade é comum no meio artístico. Notá-los como minoria e perceber que na sua trajetória de hétero e branco você já nasceu com mais privilégios é muito importante para ser empático. No fundo é tudo um exercício de empatia. E olha só que coisa boa: ser empático ficou lucrativo. Para que, finalmente, haja espaço para todos. E ninguém seja rotulado.

Enfim, eles são um casal normal, como eu, você e qualquer pessoa — independentemente de orientação sexual. Às vezes, sentem vontade de postar até umas fotos mais calientes, nudes meio cobertos, sabe como é. Normal. Tipo o afeto de Lucas e Gil, também cristãos, se pegando forte em rede nacional e lucrando com publicidade nesse dia dos namorados. Todo mundo tem espaço. É só ser empático de verdade — e não só para lucrar.

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