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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caio Castro e Thammy: respeitar o homofóbico não é respeitar todo mundo

Caio Castro: respeitar todo mundo é exigir que que não respeita respeite também  - Reprodução/Instagram
Caio Castro: respeitar todo mundo é exigir que que não respeita respeite também Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

31/05/2021 12h30

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Uns anos atrás, podia ser socialmente aceito que um homem batesse no peito com os amigos no bar para dizer que era homofóbico. Hoje, a "piada" de mau gosto é inaceitável. E mesmo que ridicularizar membros da comunidade LGBT ainda seja uma prática comum nos almoços de família, os risos são cada vez mais constrangidos. Todo mundo tem um amigo, um primo, um colega de trabalho um vizinho LGBTQIA+. Quase todo mundo sabe que não é mais socialmente aceito fazer "brincadeiras" homofóbicas. É um crime.

Caio Castro está nesse grupo. Ele é a favor do casamento homoafetivo. Ele, em sua carreira artística, deve ter convivido com gays, lésbicas, bissexuais, pessoas trans. Ele sabe que não tem cabimento falar sobre isso com preconceito, com desdém e muito menos em tom jocoso. Foi provavelmente pensando em tudo isso Caio compartilhou o video em que o pastor Claudio Duarte, emocionado, falava sobre homofobia num programa de TV. Entre os convidados do show estava Thammy, um homem trans.

O pastor oprimido que tolera gays

No vídeo compartilhado, o pastor se emociona falando das dificuldades que teve na infância. O pai se casou oito vezes e, a cada mudança, ele se sentia desprezado de alguma forma. Foi expulso de casa algumas vezes. Até que morou com alguém que ele chama de irmão, mas esclarece que não tinha laços sanguíneos. Essa rapaz o ajudava, emprestava roupas, o aceitava e era gay. O pastor chora ao tentar explicar que "não acha errado achar errado" (ser gay). Mas que não os vê como inimigos. No fim do discurso, um abraço emocionado em Thammy, que concorda com ele. O público encantado apoia, aplaude e grita empolgado.

Caio teve que explicar o compartilhamento. Para isso, tentou contrapor a diferença entre respeitar e aceitar — para ele, é possível respeitar o homofóbico, mas não aceitá-lo. "Sou contra ele ser contra, mas respeito a opinião dele". É confuso mesmo.

Toda a confusão pode ser descrita no "Paradoxo da intolerância", do filósofo britânico Karl Popper. Resumidamente, temos que ser tolerantes com todo mundo, certo? É mais ou menos o que defende Caio Castro em suas desculpas. Mas quando somos tolerantes com um intolerante, fazemos a intolerância crescer. E ela pode abocanhar a tolerância.

Traduzindo: quando eu digo que um homofóbico tem o direito de pensar assim, eu fortaleço a cultura da homofobia.

Ela não se trata apenas do seu tio que faz "piadas" no almoço, ou das "piadas" que você encaminha no Whatsapp dizendo que o mundo de hoje é muito chato. Tem gente que sai na rua disposto a agredir casais homoafetivos. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Quantos de seus amigos gays e lésbicas foram expulsos de casa na adolescência? A cultura homofóbica também é isso. E não se pode ser tolerante com violência e atitudes criminosas. Como respeitar a homofobia então?

Aí está o paradoxo: quando eu respeito todo mundo, e digo que todos podem ter opiniões diversas, que desrespeitem terceiras pessoas, eu fortaleço o desrespeito. É exatamente o contrário do que a máxima "respeite todo mundo" prega.

Como um adolescente religioso e gay recebe tudo isso?

Thammy concordou com o pastor em toda sua fala. Um homem trans maduro, Thammy teve sua transição acompanhada pela imprensa e público e consegue se bancar. Mais que isso, tem o apoio de sua mãe, Gretchen. Ele não sofre intolerância no seu núcleo familiar, o que lhe dá força para encarar as dificuldades que certamente sofre na sociedade para encarar as dificuldades de ser um homem trans no país que mais mata passoas transgênero e travestis no mundo. Seu abraço ao pastor é de acolhimento porque ele está melhor resolvido que o religioso.

Mas imagine um adolescente confuso a respeito de sua orientação sexual, que não recebe o menor apoio em casa (porque a religião não tolera LGBTs). Ele vai ao culto ouvir o pastor em busca de algum conforto. O pastor diz que não gosta de gays. Que não acha que é certo ser gay, ou, como disse na TV, "não negocia com adultério, divórcio ou homossexualismo (SIC)". A própria expressão está denotando algo negativo — o sufixo ISMO remete a uma doença e não é mais usado há anos. O que acontece com esse jovem? Ele cresce forte como um membro da comunidade LGBT como Thammy? Não, ele se sente violentado.

A gente não precisa ter um parente ou uma pessoa querida diferente de nós para respeitar o outro. O respeito a todos, que Caio pregou, parte do princípio que o homofóbico não pode existir. Para isso, claro, talvez seja necessário o acolhimento. O pastor Claudio já deu um passo que outros homofóbicos não dariam ao abraçar um homem trans. Mas ele consegue ouvir quem não concorde com ele? É preciso dar muitos outros para que possa dizer que respeita todo mundo.

Ouvir o outro, pensar sobre si mesmo e repensar costumes que estão muito fixados em nossa personalidade é o primeiro passo para se tornar alguém melhor e respeitar todo mundo. Aí a sociedade vai melhorando de verdade.

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