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Luciana Bugni

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Gabriela Duarte constrangida: ainda teremos uma família no fim da pandemia?

Gabriela Duarte participa do Conversa com Bial (Reprodução/Globo) - Reprodução / Internet
Gabriela Duarte participa do Conversa com Bial (Reprodução/Globo) Imagem: Reprodução / Internet

Colunista do UOL

15/04/2021 14h33

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A internet parou na expressão autopiedosa de Gabriela Duarte ao ver um dos vídeos de sua mãe, Regina Duarte, conversando com o presidente Jair Bolsonaro. Foi numa entrevista com Pedro Bial, nessa quarta (14).

Envergonhada, ela garantiu que ela e a mãe são pessoas diferentes. E ainda emendou um infelizmente quando contou seu voto nulo no segundo turno de 2018. Enquanto a mãe virava e desvirava funcionária do governo, ela se arrependia de não ter feito nada para impedir tudo isso de acontecer.

Dá para entender a situação de Gabriela. Quem não viveu algo assim no grupo Whatsapp da família deve estar sem wi-fi há muitos anos. É cada eita seguido de vixe, que ruboriza mesmo.

Em 2002, quando Regina foi à TV dizer que tinha medo do que o Brasil viraria caso Lula fosse eleito, muita gente escutava a mesma frase nas reuniões de família. E o assunto continuava, me passa o molho do macarrão, é pavê ou pra comer, já acabou a Coca-Cola?

Na década seguinte, o papo ficou mais tenso: orquestrados pela dinâmica das redes sociais em ascensão, os almoços de família ganharam novo potencial bélico. Se acabar a Coca-Cola é o Aécio que assume?, já se dizia em tom de deboche. E o risco de voar molho de macarrão em alguém se tornou iminente. "Meu molho de tomates nunca será vermelho", alguém escutou.

Dizer a verdade é melhor que mentir?

Bom, não preciso contar para você o que aconteceu em detalhes. O lance é que só piorou. O pessoal das notícias de verdade, que gosta de se informar em veículos confiáveis, não tem muita tolerância à galera chegada numa fake news. Por outro lado, a turma das fake news não gosta de ouvir nada que seja diferente do que eles queiram e acaba condenando justamente os veículos que tenham a reputação de dizer a verdade. Os jornalistas viraram saco de pancada. Agora você imagine, Gabriela Duarte, ser jornalista no grupo de Whatsapp da família? Vixe. Eita.

O almoço de domingo, portanto, deu uma esvaziada. O grupo da família foi primeiro silenciado. Depois, num dos últimos cinco Natais, quando o contato físico ainda era inevitável, alguém deu a ideia brilhante de não falar mais de política, em nome da harmonia dos churrascos futuros. O grupo virou um depositório de meme, o coração um aglomerado de mágoa.

Mas no churrasco, depois do terceiro pagode e segunda caipirinha, tudo fluia bem.

A parte que pintou a cara de verde amarelo em 1992 dividia o pandeiro com a galera que compra produto do MST. A turma que foi na varanda aplaudir a condenação de Lula servia o copo de quem chorou nessa madrugada.

E tem a parte que meteu a bandeira do Brasil na janela para enaltecer o Moro, lá ficou a bandeira para apoiar Bolsonaro — na verdade não sei o que essas pessoas fazem no churrasco, porque eu não vou mais em evento nenhum há mais de um ano.

Gabriela disse que convive normalmente com a mãe e não trava grandes embates políticos. A própria Regina tomou vacina e defendeu a ciência nas redes sociais, o que já a coloca em vantagem diante do negacionismo de tanta gente.

Todos esses embates políticos viraram fichinha frente ao negacionismo da pandemia. O que Aécio x Dilma não derrubaram, gripezinha x quase 400 mil mortos podem destruir, sim. O amor vai resistindo, claro que vai. Uma torcida danada para a gente não enterrar ninguém. Um restinho de força que ainda tenta explicar que não está na hora de fazer festa. E quando for a hora de fazer festa? Com quem a gente vai querer festejar? Disseram que quem está do seu lado na trincheira é mais importante que a própria guerra. Vai saber...

O constrangimento de Gabriela, no entanto, nos lembra o que vai ser um futuro que quero acreditar próximo: todo mundo vivo, num churrasco. Metade dizendo que a pandemia não foi essa desgraceira que dizem. E a outra metade com a mão na testa, completamente transtornado. Igualzinho a Gabi no Bial.

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