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Leonardo Rodrigues

REPORTAGEM

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Um ano após morte do pai, filha acha carta escrita por ele em LP de Lennon

Karlo Schineider, a esposa Alcione Araújo e os filhos Bárbara, Layla e Arthur - Reprodução/Instagram
Karlo Schineider, a esposa Alcione Araújo e os filhos Bárbara, Layla e Arthur Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

16/03/2022 14h38

Saiu no UOL e viralizou nas redes. Um fã de Beatles decidiu escrever cartas para a filha quando ela ainda estava na barriga da mãe. As correspondências foram depositadas dentro de capas de LPs dos Beatles, para serem abertas apenas no aniversário de 15 anos da jovem.

Mas houve um detalhe chamado "pandemia": Karlo Schneider perdeu o emprego de gerente hoteleiro em Mossoró (RN) e precisou vender parte de sua coleção para segurar as pontas na crise. Tempos depois, em março do ano passado, ele morreu com apenas 40 anos após contrair covid.

Essa história tocante, divulgada no canal YouTube Beatles School, rendeu uma caça ao tesouro que mobilizou internautas e fãs de Beatles de todo o país. E agora, tal qual a canção "The End" do álbum "Abbey Road", ela ganhou um belo desfecho.

Três daquelas correspondências —uma escrita por Karlo e duas por amigos que participaram da brincadeira— foram reencontradas e entregues à designer Alcione Araújo, a mãe da hoje adolescente Bárbara Schneider.

Respeitando o desejo de marido e depois da filha, as mensagens só foram abertas no último dia 4 março, quando ela completou 15 anos.

O autor da digníssima ação é um colecionador que pediu anonimato à família, pois também havia perdido o filho para a covid-19 e passava por um delicado tratamento contra a depressão. Um roteiro nada menos que cinematográfico.

"Em dezembro, ele entrou em contato e perguntou se morávamos em Natal. Minha mãe disse que não, que só eu morava com minha tia, pois ganhei uma bolsa de estudos, e ele perguntou se ela poderia ir até lá. Eles se encontraram, e o disco foi entregue", conta Bárbara em entrevista à coluna.

O álbum em questão não era exatamente um dos Beatles, mas "Imagine: John Lennon", trilha sonora do documentário homônimo sobre Lennon lançado em 1988 e pilotado por Andrew Solt. Mas, nesse caso, conteúdos de disco e filme são detalhes.

Bárbara confessa ter ficado ansiosa e com coração apertado durante todo o processo de busca até o momento de ler as correspondências, o que já fez mais de uma dezena de vezes. Ela desconhecia a existência delas até o ano passado.

Carta escrita pelo pai de Bárbara Schneider - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Imagem: Acervo pessoal
E o que diz cápsula do tempo de Karlo, escrita não por acaso em 8 de dezembro de 2006, no aniversário de 26 anos da morte de John Lennon?

Além de desejar amor e um aniversário feliz, ele faz várias perguntas cotidianas à filha. Quem é a melhor amiga, se ela já fez alguma viagem internacional, se tem habilidade em matemática e se cidade de Mossoró, terra natal de Schneider, continua insuportavelmente quente.

Brincalhão, escreve ser estranho falar de um aniversário com antecedência de 15 anos e brinca ao informar que a filha, batizada em homenagem a Barbara Bach, esposa de Ringo Starr, poderia ter se chamado Juan ou algum outro nome alemão, "como kugelschreiber (lapiseira)".

Karlo ainda pergunta se o integrante favorito de pai e filha, Paul McCartney, hoje com 79 anos, ainda está vivo em 2022. "É como se ele estivesse viajado, voltado para cá e quisesse saber como eu estava", comparada.

Ainda segundo Bárbara, a carta de Schneider não foi finalizada. Na última frase, ele pergunta se a família mora em Natal, mas a tinta da caneta vai desaparecendo aos poucos. O texto não traz assinatura.

Na interpretação da ex-esposa, a designer Alcione Araújo, essa despedida incompleta soa como metáfora do que viria a acontecer com o gerente, que foi intubado e perdeu a capacidade pulmonar progressivamente em seus últimos dias, até não resistir.

Bárbara Schneider e a carta escrita pelo pai antes do nascimento dela - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Imagem: Acervo pessoal

Mas como a família teve certeza de que não se tratava de uma mensagem fake?

Primeiro, pela caligrafia de Karlo, que Alcione conhecia bem, a ponto de ter uma tatuagem com a letra dele no braço. Depois, pelo fato de já naquela época ele se referir à futura filha, a primeira de três no casamento, pela alcunha de "minha bonequinha", como escreve na carta.

A minha parte favorita é uma que ele fala que é apaixonado pela minha mãe. Significa muito para mim saber do amor tão intenso que eles viveram e que eu espero viver um dia
Bárbara, que, por causa do pai, aprendeu a amar os Beatles e hoje sonha em ser jogadora profissional de vôlei de praia

Atenção, colecionadores: é bem provável que ainda existam outras cartas com paradeiro desconhecido apenas à espera do encontro com a família Schneider. Ele adorava escrever e fazer esse tipo de jogo.

Karlo Schneider - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Você comprou ou conhece alguém que adquiriu discos do universo Beatles recentemente? A encomenda veio do Rio Grande do Norte? Cheque se há uma carta no interior do álbum. Você também pode fazer parte dessa saga incrível.

"Acredito que nas outras cartas ele vai escrever conselhos sobre a vida. Ele era um homem extremamente inteligente, trabalhador e criativo. Seus princípios mais fortes eram a união e a alegria. Sempre fazia de tudo para tirar um sorriso meu. Era isso que a música dos Beatles fazia com ele", resume Bárbara.

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E até a próxima datilografada!